Toque de carinho


Maria Avelina Fuhro Gastal

“Seja um toque de carinho na vida das pessoas.”

Com essa mensagem enviada por uma amiga, meu dia começou há uma semana.

Poderia ser mais uma mensagem de bom dia ou de filosofia de vida. Mas não foi. Repercutiu em mim como alguns dos questionamentos feitos pela minha analista, me tirou do prumo.

A princípio pensei que minha reação pudesse estar ligada às críticas que recebi ao longo da vida por não ser carinhosa. Tema recorrente da análise, hoje percebo que, se não sou carinhosa, sou afetiva. Então o motivo não poderia ser esse. Se não é assunto encerrado, pelo menos é assunto enfrentado que já não me paralisa mais.

Mas o incômodo com a mensagem permaneceu. O que é ser um toque de carinho na vida das pessoas? Em tempos de isolamento, como esse toque chega a quem não podemos estar perto?

Mensagens, figurinhas de corações, de abraços e beijos virtuais, comentários em postagens nas redes sociais têm nos feito bem, dá uma sensação de presença, um afago, um jeito de dizer me importo contigo, lembrei de ti, estamos juntos. É toque de carinho na impossibilidade de acarinhar.

As máscaras tapam nosso sorriso. Os olhos desnudam os sentimentos. Com eles podemos sorrir, mas, também, ferir. O olhar que julga não passa despercebido, mesmo que as palavras mascarem pensamentos. Pelo olhar do outro sobre nós, inseguranças se agigantam, enquanto diminuímos de tamanho. Fazer do olhar um toque de carinho requer assumir os próprios preconceitos, não ver no diferente alguém menor.

Percebemos o carinho no toque, nas palavras, no olhar, nas atitudes, nos cuidados. Ele está no acalanto, na escuta respeitosa, na presença, mesmo quando ausentes, no silêncio que dá guarida à dor e ao sofrimento do outro.

Os dias passaram, a mensagem reverberando, e eu tentando entender que força ela exercia sobre mim. Ainda não tenho a resposta. Meu último pensamento me leva à generalização que ela traz seja um toque de carinho na vida das pessoas. Não para seus familiares ou amigos, mas para as pessoas. Elas podem ser conhecidas ou não, fazer parte de sua vida ou não. Pessoas são todos e qualquer um que encontremos pelas ruas. São os transeuntes, os funcionários da padaria, do supermercado, o guardador de carro, o morador de rua. São os de pele branca, parda, amarela, preta. São os ricos, os remediados, os pobres, os miseráveis.

Talvez o primeiro toque de carinho seja reconhecer como pessoas tantos que vivem à margem da sociedade. Olhar para eles não com caridade ou repulsa. Não ignorar a existência. Olhar para eles.

Carinho não protege do frio e da chuva, não corrige injustiças e segregação, não mata a fome. Mas a indiferença fere e mata. Se não vemos pessoas, não somos pessoas.

Em uma mensagem, a dificuldade escancarada. Carinho está em falta, aconchego esquecido. Estamos bélicos, sofridos, raivosos e cansados. Temos muito a enfrentar, mais, ainda, para transformar. " Hay que endurecer pero sin perder la ternura."

Como finalizar sendo um toque de carinho na vida de vocês, da mesma forma que me acarinham ao ler os textos, curtir, comentar, compartilhar? Lembrei de uma letra de música do Gonzaguinha:

Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser bem melhor
E será
Mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita,
E é bonita.


Vivam acreditando no porvir.

Deixe um recado para a autora

voltar

Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Pageviews desde agosto de 2020: 275871

Site desenvolvido pela Editora Metamorfose