Falência múltipla


Maria Avelina Fuhro Gastal

Maria, Antônio, José, Aparecida, Beatriz, João, nacionalidade: brasileira.

Esqueça o nome, não importa. Nem mesmo se for Charles, Stephanie. Se nascidos no Brasil, somos números, possibilidades de lucro ou riscos de prejuízo.

Contabilizar mortos não mobiliza. Que a morte seja breve para não aumentar os custos de internação.

Não valemos pela vida que temos, mas pelo que conseguimos produzir, consumir. Somos mercadorias e instrumentos de produção. Se falhamos, que sejamos eliminados para não atrapalhar a economia. Peça defeituosa, peça reposta. Oferta não falta.

Envelhecemos, não há motivos para continuarmos vivos. Custamos caro à Previdência, aos planos de saúde. Óbito é a nova alta, alívio maior nos custos de nossa existência. Morto não precisa de cuidados. Morto não exige atenção de saúde. Morto é um peso temporário na dor da família, alívio permanente para o crescimento econômico.

Números, peças, instrumentos, cobaias. Tudo, menos pessoas. Sem nenhum disfarce, perdemos a condição de cidadãos.

Patriotas vibram, ameaçam. Vestem-se de verde e amarelo. No Brasil acima de tudo não há lugar para nós. Os brasileiros são eles, apenas. Os demais são nada, descartáveis.

Ostentando a bandeira, vociferam, menosprezam a dor, a perda, o sofrimento, a desigualdade. Estão na caverna e fazem questão de permanecer. Ignoram a própria fragilidade. Patriota doente, perde a função. Sem utilidade e custando caro, melhor eliminar. Em meio à perversidade, ninguém está a salvo. Talvez entendam o que é realmente ser brasileiro ao ter o respirador desligado, a falta de ar zombada.

Sufocamos a cada dia neste inferno sem fim. Deus não é brasileiro, Caronte, sim. Ele atende por mito. E nem como barqueiro da morte tem empatia. Faz da passagem um rito de terror e sofrimento.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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