Vamos bailar?


Maria Avelina Fuhro Gastal

A partir de um determinado momento, deixamos de ficar mais velhos no nosso aniversário e passamos a envelhecer.

Primeiro acordamos sem encontrar as letras impressas nos jornais, livros ou em qualquer papel que aceite recados. Antes que a articulação dos ombros reclame, estendemos os braços para afastar dos olhos o alvo de sua mirada, buscando novo foco para encontrar as letras que teimam em esmaecer quando impressas.

Depois percebemos a existência de joelhos, lombar e trocentos músculos que só se mostram para nós quando já estão se desfazendo, doem até se rimos demais, imagina quando os forçamos a trabalhos que já desistiram de fazer.

Sem o olhar do outro, sem um espelho inesperado, sem uma selfie reveladora calçamos o tênis, a roupa esportiva, prendemos os cabelos e saímos para os quilômetros que já nos são conhecidos, embora pareçam ganhar metros em alguns dias.

Nem percebemos que todos os sapatos de salto foram doados, substituídos por sapatilhas e calçados confort. Só na hora da festa estranhamos não haver nenhum sapato de bico e salto fino para compor o visual.

Mesmo que pernas e pés mantenham o ritmo das idades passadas, os dedos da mão operam de forma mais lenta e desistimos de responder a um whats, quase sempre do grupo familiar, quando percebemos que ainda estamos dedilhando a primeira resposta e já foram publicadas diversas mensagens, links, figurinhas, fotos de assuntos variados que nem tivemos condições de ler enquanto catávamos no teclado do celular as letras que comporiam nossa primeira manifestação.

Os fios de cabelos brancos, antes esparsos, ocupam a maior parte de nossa cabeça e, não contentes, invadem as sobrancelhas. Tornamos a tinta parceira, até que perdemos a batalha e jogamos a toalha, cheia de chumaços de cabelos, nenhum branco, que cometem suicídio em grupo. Os brancos, resilientes, permanecem, o que me faz suspeitar que se trata de um exército homicida e racista.

Desconhecemos gírias, grupos musicais, influencers, coachs para qualquer aspecto da vida que lidamos pelo antiquado método do acerto e erro.

Cuidado! Não podemos cair na armadilha de falar como se estivéssemos mortos – no meu tempo -. Se estamos vivos, nosso tempo ainda é. Talvez em um outro ritmo, com outro grupo, com diferentes desafios, mas ainda presente.

Há muito mais para aprender do que tudo que já sabemos. Vivos, há vida e nela estão possibilidades, descobertas, emoções, sentimentos que não morrem antes de nós, só se nos privarmos de experimentar, tentar, recomeçar.

Somos mais que lembranças e legado. As memórias tanto nos acalantam quanto nos travam, seja pela lembrança ou pelo apagamento e negação de experiências. Podemos romper travas e enfrentar receios, encarar medos, permitir riscos. Podemos manter o presente prazeroso, sem ficarmos presos ao passado. Futuro ninguém tem, ele só existe quando se faz presente e vivemos o que há para viver ou aquilo que fazemos haver.

Se sambar machuca a lombar, estoura o joelho, acaba com o fôlego, encontremos o nosso ritmo para bailar até que a música se esgote.

Vamos bailar?

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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