Um xiru não lei


Maria Avelina Fuhro Gastal

Esqueçamos as regras, juntemos tu com você e deixemos nos embalar por ritmos e sotaques daqui e de além-mar.

Descasquemos uma mexerica, aproveitemos o sol para nos aquecer enquanto devoramos a bergamota ou nos refresquemos com suco de tangerina à beira mar.

De almoço, no Nordeste, jerimum, no Sul, abóbora. Lá com carne de sol, aqui com charque. Se no Rio, não peça cacetinho na padaria; se em Porto Alegre, troque o misto quente pela torrada americana. Bolinho de bacalhau dá para encarar mais de um, já pastel de bacalhau exige tenacidade e gula.

Falamos rápido, juntamos sílabas, arrastamos vogais, carregamos no “T”, falamos miudinho, truncado, cantado, chiado. Temos diversas linguagens em um só idioma.

A língua Portuguesa no Brasil tem as marcas dos colonizadores, dos índios subjugados, dos africanos escravizados. Confunde-se com o espanhol no limite sul do país, com o francês e o inglês na tentativa desesperada de parecer mais chique e cool. Vestimos soutien, jeans, top, T-shirt. Calçamos Havaianas e Alpargatas. As mulheres buscam o glamour e os homens querem estar guapos.

Mudanças de regras e acordos internacionais transformam em erros antigos acertos. Pharmacia há muito deixou de existir, proliferam farmácias nas esquinas das grandes cidades. Um xiru não lei não vale mais como lembrete para a acentuação das proparoxítonas; assembleia perdeu o acento, enquanto as Assembleias, sem acento, mantêm inalterados seus assentos. As ideias não estão mais limitadas por acento agudo, alarmante o quanto algumas se tornaram graves.

Podemos ir a Cuba e voltar de Cuba, mas vamos à Alemanha e voltamos da Alemanha. Com crase ou sem ela, atualmente, não vamos a lugar nenhum. Estamos presos em um país que apostou em um discurso de ódio em 2018, apesar de se ver como de boa índole. Iluminaram as trevas, deram foco à perversidade, à discriminação, ao preconceito, ao extermínio gradual, e não tão lento, de mais de 400 mil brasileiros. Foram orquestrados por um juiz que tropeçou no “conge” e deram aval para um néscio.

Não há uma entidade reguladora que defina o número de verbetes na Língua Portuguesa, especialistas sugerem algo em torno de 600 mil. Com tantas, falta-nos a adequada para definirmos o que vivemos. As que dispomos são vazias frente à realidade, mas ainda são elas que nos permitem dar voz a tantos descalabros e absurdos. Calar não é opção; falar, denunciar, escrever, gritar é dever humanitário e patriótico.

Enquanto buscamos palavras, vamos construindo caminhos. Neste Dia Internacional da Língua Portuguesa lembremos de todas as palavras de ordem, canções, poemas, narrativas e discursos que nos libertaram de atrocidades. Silêncios são coniventes quando há tantos ignorados, perseguidos e mortos.

Superada a COVID, quero transitar pelo Museu da Língua Portuguesa e lá ser contaminada por palavras que impulsionem mudanças. Vamos?


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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