Maria Avelina Fuhro Gastal
Tem sido tão fácil mergulhar em tristezas, aprofundar solidões, chorar desamparos, denunciar injustiças, gritar raivas.
Circula pelas redes uma frase atribuída a Mia Couto que diz: “É preciso falar de esperança todos os dias só para que ninguém esqueça que ela existe”.
A esperança exige que usemos lentes coloridas para enxergar a realidade cinzenta. Precisamos encontrar frestas de luz e ar e ampliá-las. Trazer à tona aquilo de bom que acontece sob as trevas.
Como em um exercício de resgate ou missão de salvamento temos de acreditar na possibilidade de triunfo. Necessitamos de todos os esforços na dor, nos riscos para alcançarmos a superação do medo, da tristeza, do insucesso. Desistir enquanto há vida é impensável.
Entre sentimentos nefastos, sensações agradáveis são frestas de respiro, oxigênio para tomar fôlego e prosseguir.
Trazer os clichês de volta e usá-los como boias, enquanto não podemos nos aventurar naquilo que um dia foi vida. Além das sirenes, ouvir o canto dos pássaros, o som do chacoalhar das folhas nas árvores embaladas pelo leve vento do outono.
Descobrir no nosso corpo o prazer de se deitar na cama, aninhar-se aos travesseiros, sentir-se abraçada pelos lençóis e a leve colcha que as madrugadas de temperatura mais amena exigem.
Deixar-se embalar por música, acompanhar o ritmo, assoviar, cantarolar, cantar, rodopiar, girar, bailar pela sala, soltar-se e liberar opressões e tristezas. Reinventar letras, subverter rimas. Ou apenas fechar os olhos e deixar que a música preencha os vazios e libere sentimentos.
Revisitar memórias, folhear velhos álbuns, reviver momentos que nos tornaram aquilo que somos, o resultado de dores e prazeres de nossa vivência.
Inventar temperos, arriscar no trivial, experimentar combinações, fazer da refeição um banquete de prazer e possibilidades.
Visitar cenários, dar as mãos para o narrador, incorporar personagens, viver além de si mesmo e do mundo que nos cerca por breves momentos. Beijar o mocinho, matar o bandido, percorrer distâncias.
Há um provérbio chinês que diz, mais ou menos, assim: pássaros da tristeza voarão sobre a sua cabeça, mas não permita que construam ali o seu ninho.
Estar triste, desanimado, assustado, revoltado é compatível com o momento que vivemos, pelo menos para quem é humano. Talvez o esforço para encontrar frestas tenha que ser mais intenso a cada dia.
Carinho, amor, conforto e abraço podem estar em palavras, sonhos e desejos projetados podem ser alimentados. Não deixar a realidade invadir nossa esperança é espantar os pássaros que se proliferam fazendo ninhos de desesperança em nós.
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