Mais do que apenas uma parede


Maria Avelina Fuhro Gastal

Nas histórias infantis as casas podem ser castelos. Torres, calabouços, amplos salões, mobília que tem vida, livros que flutuam. Na parede pode haver um espelho que aguce vaidades. Ou podem ser comestíveis. Paredes de chocolate, janelas de biscoitos. Algumas casas com paredes frágeis não resistem a fortes sopros de lobos, enquanto outras, mais resistentes, os deixa exauridos e sem fôlego.

Na música, as casas podem ser engraçadas, sem piso, sem teto, sem parede, mas, ainda assim, construídas com muito amor na Rua dos Bobos número zero.

Qualquer uma das casas acima tem vida. Nelas encontramos pequenos animais que consolam, animam e até tramam aventuras com os solitários do lugar. Na casa das bruxas sempre há um caldeirão com algo sendo preparado, inundando com diversos aromas o ambiente. Há camas alinhadas, às vezes sete pequenas, noutras três de tamanhos diferentes. Em todas, as paredes afastam o perigo, protegem seus moradores das ameaças externas. E ali, protegidos, eles dançam, comem, brincam, discutem, implicam um com outro, transformam-se em famílias. Algumas felizes outras não.

Ao longo da vida sentimo-nos protegidos entre as paredes das nossas casas. Quando bebês não as percebemos, um pouco maiores fazemos delas nossas primeiras telas de criação artística, na adolescência dependuramos nelas nossos ídolos, sonhos, amores platônicos, torcendo que as paredes sejam muros que impeçam os pais de invadirem nossas vidas, adultos queremos ser capazes de construir e manter nossas próprias paredes e entre elas vivermos nossas histórias.

Há quem prefira manter as paredes de suas casas como telas em branco. As da minha carregam lembranças e sentimentos. Tenho quadros que ficaram da casa dos meus pais, têm os que comprei porque algo neles me impedia de ignorá-los. Lembranças de viagens, máscaras de argila, madeira esculpida, azulejos com dizeres, pratos de diversos tamanhos, galho em ferro onde repousam pássaros distribuem-se pala casa e eu adoro olhar para cada uma das peças.

Pensar em paredes não tem nada a ver com o isolamento social. Foi uma ligação telefônica que plantou a ideia em mim. Até chegar nesta crônica houve um processo de entendimento e elaboração da minha fixação no assunto.

Eu já tinha lido sobre uma casa para cuidados paliativos que estava sendo montada pelo Instituto do Câncer Infantil. Eles ligaram solicitando contribuição para a finalização do projeto. Em troca do valor que propus contribuir, adquiri o direito de ter o meu nome ou o da minha família ou qualquer outro que eu escolhesse gravado em uma das paredes da casa. Declinei do direito, mas mantive a contribuição.

De início, pensei naquela proposta como a formalização de uma “parede das vaidades”. Desprezei quem aceita. Depois, pensei que talvez essas pessoas precisassem de seus nomes ali para aliviar a dor pela perda para o câncer de alguém muito querido. Lembrei do meu pai, do meu irmão. Que paredes gostariam de ter tido em volta deles quando já não havia esperanças e a dor, o desconforto e o sofrimento eram constantes? Paredes afetivas, paredes com significado, paredes com histórias, paredes que os lembrasse da vida que tiveram e das relações que construíram.

Entendo a dor de quem quer homenagear um familiar, sei da sensação de sermos impotentes para ajudá-los a suportar o sofrimento. Mas, na casa de acolhimento do Instituto do Câncer Infantil não estarão nossos familiares. Lá serão acolhidos pacientes jovens com suas famílias, receberão assistência promovida por uma equipe multidisciplinar com o objetivo de melhorar a qualidade de vida do paciente e de seus familiares, diante de uma doença que ameaça a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, ou seja, como uma forma de aliviar o sofrimento com compaixão, controlando os sintomas e a dor, buscando oferecer qualidade e bem-estar enquanto o paciente estiver sendo assistido.

Eles perderam os castelos encantados, as casas açucaradas, a força para cultivar sonhos, a proteção das paredes de suas casas, o convívio com amigos, irmãos, avós, tios. A bruxa e o mostro que enfrentam está neles e têm nome: câncer. Os aromas que experimentam são hospitalares. Então, por que não deixar que eles escolham o nome que irá na parede? A nós, basta o compromisso de fazer com que ela exista. Meu pai e irmão, com certeza, concordariam.

Observações: Para doações em dinheiro ao Instituto do Câncer Infantil acesse ici.ong
Também aceitam doações de roupas, lençóis, toalhas, cobertores, utensílios domésticos, livros, brinquedos (desde que possam ser higienizados, portanto não devem ser de pelúcia). A entrega, seguindo os protocolos de segurança contra a COVID, deve ser feita na Rua São Manoel, 850.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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