Maria Avelina Fuhro Gastal
Não é erro de digitação, ignorância ou desconhecimento. A sigla é mesmo DLA. Não procure no Google. Lá você vai encontrar Disabilty Living Allowance, DLA Piper Global Firm, Defense Logistics Agency ou o link para o Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa. Não é nada disso. O meu DLA é baseado em experiência própria compartilhada com muitos que conheço.
Devedores de Leituras Anônimos (DLA). Também não está previsto em nenhum código de doenças, mas os sintomas são clássicos: possuir mais livros do que consegue ler; continuar comprando livros apesar de não dar conta dos que já possui; ter sempre em mente uma lista de livros que precisa adquirir; adquirir livros que já possui e só se dar conta tempos depois que possui mais de um exemplar da mesma obra e nenhum lido; afirmar que já leu um livro só por saber que o possui há tempos, é clássico, todos já leram e você sente vergonha de não ter sequer aberto a primeira página; invejar a biblioteca alheia; ser sempre o primeiro a pedir emprestado o livro que o amigo está lendo; ter apego descabido a qualquer número de folhas que conte uma história compactadas dentro de uma capa dura ou não, mesmo que não esteja entre suas prioridades de leitura; ter livros baixados no computador, celular, tablet e kindle nas mais diversas linguagens quase sempre esquecidos nos aparelhos.
A mesma sigla pode servir para os Devoradores de Leituras Anônimos. Acredito que muitos sintomas seriam comuns aos dois grupos. A este seria acrescido o constante débito nas relações familiares e nas tarefas caseiras, com eternas juras de mudanças no comportamento nunca levadas a termo. Os membros dos Devedores têm sentimentos antagônicos com relação aos membros dos Devoradores, idolatria, inveja, desprezo e raiva seriam alguns deles.
Considerando que todo comportamento compulsivo indica transtorno, pensei que um grupo de autoajuda poderia ser útil. Os sintomáticos dos dois grupos poderiam participar da mesma reunião. O tempo de cada encontro seria de três horas, com intervalo de quinze minutos para café, chá e conversas triviais. Não seria admitido bebidas alcóolicas e mesas no espaço de confraternização para evitar infindáveis intervalos com discussões acaloradas sobre textos literários ou questionamento dos sintomas sob a ótica dos pensadores do comportamento humano.
O grupo teria um roteiro de dez passos a ser seguido pelos membros.
Primeiro passo - Admitir que somos impotentes perante o livro, perdemos o controle de nossas vidas
Segundo passo - Acreditar que um poder superior a nós mesmos pode nos devolver a sanidade literária
Terceiro passo - Revelar nossa compulsão com base na verdade
Quarto passo - Fazer minucioso e destemido inventário do nosso eu leitor
Quinto passo - Admitir perante nós mesmos e ao grupo nossas falhas literárias
Sexto passo - Fazer uma relação de todas as pessoas que lesamos ao não devolver os livros que pegamos emprestados
Sétimo passo - Reparar o mal causado a todas as pessoas relacionadas no Sexto passo.
Oitavo passo - Fazer uma relação de todas as pessoas a quem tivemos maus pensamentos por não nos devolverem os livros emprestados a eles ou devolverem com danos inadmissíveis como orelha nas páginas, rabiscos, manchas de café, chá, chimarrão ou vinho.
Nono passo - Perdoar todas as pessoas relacionadas no Oitavo passo ofertando a elas o livro danificado.
Décimo passo – Jamais usar a experiência no grupo, mesmo que dele se afaste, para lançar um livro sobre o programa.
O lema poderia ser: Um livro é apenas um livro, não é a vida.
Se no fim nem isso der certo, a sigla poderia ser alterada para LDA – Leitores Derrotados Anônimos. Seria afixada nas urnas funerárias ou túmulos dos sintomáticos. Caso exista purgatório ou céu, seria uma senha para a entrada no espaço destinado a escritores, teóricos, pensadores, filósofos, com encontros para debate e leitura por toda a eternidade. Se até nela nos faltar tempo para dar conta de todos os escritos, então melhor arder no inferno, participar de orgias ou reencarnar como traça de biblioteca.
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