Maria Avelina Fuhro Gastal
Um milhão de Euros. Precificar a liberdade, mesmo que provisória, a um condenado por estupro é chocante. Não há quantia que alivie o trauma da mulher que, além de violentada, vê o Estado colocar preço no ataque ao corpo e integridade emocional dela.
Na mesma semana dois famosos jogadores brasileiros de futebol, dois milionários, dois estupradores, ocupam as manchetes, não por suas jogadas, mas por seus crimes. Na imprensa, falam da riqueza pessoal de cada um deles, da experiência de trocar a vida em uma mansão pela vida em uma cela de 8 metros quadrados. Nada falam sobre a experiência das mulheres ao verem seus corpos violados, seus mundos reduzidos à vergonha, à culpa gerada por uma sociedade que busca na vítima os motivos para o ataque dos agressores.
Em 2014, um, então, deputado federal agrediu a também deputada Maria do Rosário, afirmando que não a estuprava porque era muito feia e não fazia o tipo dele. Quatro anos depois foi eleito presidente do país com os votos de homens e mulheres.
Enquanto os homens estupram, as mulheres violentam outras mulheres. Elas não têm pênis, mas usam as palavras como falo e se fazem cúmplices dos criminosos.
Todos os dias, há anos, décadas, séculos, crianças e adolescentes são silenciados. Meninas e meninos lidam sozinhos com abusos sexuais que sofrem pelas mãos nojentas de adultos, sejam pais, professores, tios, avós ou qualquer outra pessoa que use de seu poder para manipular as crianças. É devastador.
A experiência de ser abusado só se torna palpável muitos anos depois e se traduz em sentimentos de inadequação, culpa, vergonha, dificuldade em lidar com o próprio corpo e sexualidade. Fingir não ver desprotege a criança e autoriza o agressor a continuar. Não há imagem de família perfeita que valha a dor infringida à vítima.
O custo zero que atribuímos às violências sexuais é tão chocante quanto a precificação de uma liberdade por condenação de estupro.
Não ficarei surpresa se o Daniel Alves conseguir o montante para pagar a fiança através uma campanha por doação através de Pix. Muitos brasileiros e brasileiras costumam contribuir com altas quantias para criminosos, nunca para as vítimas.
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