Cumplicidade


Maria Avelina Fuhro Gastal

Nascemos para morrer. No intervalo entre os dois eventos, levamos a vida.
Ela pode nem ter tempo a ser contado ou se prolongar além do esperado.

Enquanto há vida, respiramos, aprendemos, ensinamos, sentimos, sonhamos, sofremos, rimos, pensamos, choramos. Na sequência dos segundos, colecionamos minutos que se transformam em horas, horas que compõem dias, dias que perfazem meses, meses que totalizam anos.

O tempo disciplinado abarca a nossa história. Nela estão nossas crenças e valores. Movemo-nos orientado por eles, redefinindo princípios e duvidando de certezas.

Nossa vida não é uma trajetória em linha reta. Tropeçamos, caímos, levantamos, transpomos obstáculos, apreciamos a paisagem. Entre curvas, desvios e barreiras avançamos até que o ritmo de nossos batimentos cardíacos se esgote e se encontre em uma linha plana.

Ser morto não é morrer. Morrer é processo da vida, ser morto é desrespeito à vida.

Ser morto não significa morrer. Somos mortos quando nossa dignidade é ignorada, quando nosso corpo é violado, quando a nossa dor extasia o algoz.

Ser morto mata quem está em nossa volta, mata em nós o essencial para prosseguir inteiro.

Ser morto deixa cicatrizes. Fere a pessoa, a família, a sociedade.

Se ao ser morto encontramos a morte, ainda assim não morremos. Não até que os responsáveis sejam julgados e punidos. Não até que todos se ergam contra a violência. Não até que verdade sobre a nossa morte seja revelada.

Não podemos mais nos fingir de mortos. Aceitar a exaltação de torturador em pleno Congresso de um Estado Democrático de Direitos e calar. Ouvir apologia à ditadura militar e à tortura e eleger como presidente. Suportar a ironia e o desrespeito de um vice-presidente que achincalha a investigação da tortura no Brasil.

Há muito deixou de ser por política. Ninguém foi enganado. Persistir na escolha é opção pela morte provocada. É cumplicidade.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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