Maria Avelina Fuhro Gastal
Na sexta-feira, fechei todas as venezianas, desci as persianas com black out, fechei as portas dos banheiros e da cozinha. Minha intenção era dormir até mais tarde no sábado, diminuindo o número de horas de mesmice ao longo do dia.
Consegui. Acordei às sete horas. Dormi uma hora a mais do que o de costume. Não contava com a chuva persistente que me impedia a caminhada da manhã, cerca de uma hora e vinte minutos.
A uma hora a mais de sono foi derrotada pela chuva. Comecei o sábado com vinte minutos a mais para preencher. Casa limpa e organizada, não me sobravam opções. Oito horas da manhã, café, cama arrumada, banho tomado e mais dezesseis horas pela frente, no mínimo.
Dezesseis horas, tempo suficiente para enfeitar a casa para o Natal. Por anos, a montagem da árvore, a colocação das botinhas na lareira, os enfeites espalhados pela casa, os piscas pela janela foram motivos para reunir filhos, nora, neta, cunhada, sobrinhos, encomendar pizza, estarmos juntos. A última vez foi em 2019, a próxima vez ainda não será este ano. Sozinha não tem graça.
Dezesseis horas, tempo bastante para arrumar meus livros. Estão uma bagunça. Não tenho vontade. Em 2020, enfrentei o isolamento social com uma fúria de limpeza e organização. Esgotei minhas possibilidades. Nem o etiquetador tenho usado e olha que encomendei refil para três anos de pandemia.
Nem almoço eu precisava fazer, bastava esquentar e incrementar com uma salada. Conclusão, passei o sábado pulando da leitura de um livro, para joguinho no celular, olhada no whatsapp e nos e-mails, acessando notícias desanimadoras, navegando pelas redes sociais. Que merda.
Mas do incômodo veio o insight. Não é estabelecer rotinas que me trava, mas, sim, encarar possibilidades. Máscaras potentes não me faltam nem tubos de álcool em gel. O que realmente me falta é estar com as pessoas, encontrar amigos, quebrar rotina, enfrentar o medo. Desrotinar, e viver o que der neste mundo anormal.
Há problemas maiores, há fome, há injustiça social, há desgoverno, há ameaça de nova variante, há repetição de erros que levaram a mais de 600.000 mortos, há motivos de sobra para desânimo. Talvez o novo normal seja aprendermos a nos manter minimamente inteiros e saudáveis. Derrubados, perdemos a força, desistimos de lutar, morremos em vida.
Da teoria à prática, passos insignificantes para a humanidade, já que estou vacinada com duas doses e mantenho todos os protocolos, um salto enorme para mim.
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