Maria Avelina Fuhro Gastal
O fato de ser o meu décimo segundo aniversário não fazia a menor diferença. Tudo que importava naquele distante 14 de junho era vestir-se de verde e amarelo, reunir a família e amigos, e quem sabe no intervalo entre “Eu te amo meu Brasil” e “A Copa do Mundo é nossa” sobrasse um tempinho para o “Parabéns a você”.
Brasil perseguia o tri campeonato mundial, enquanto eu iniciava o adeus à infância.
O primário havia ficado para trás, estava no segundo ginasial e sonhava com a saia marinho com listas brancas que me permitiria sair do Colégio no recreio para me reunir com as amigas no Skindô. Mais dois anos e o ciclo do Colegial me daria essa liberdade.
Menarca, primeiro soutien, sapato com leve salto, reuniões-dançantes, primeiro amor, seguido de outros primeiros amores, cada um com a certeza de ser realmente o amor, primeira festa de quinze anos e logo outras tantas, mas nunca a minha, primeiro namorado, primeiro beijo, primeira traição e a certeza de impossibilidade de superar, primeira recaída, primeira viagem sem a família, primeiro e último porre, escolha profissional, primeiro, e único, Vestibular, primeira relação sexual, primeiras incertezas e primeiras certezas, logo desfeitas, primeira participação em manifestações políticas, primeiro emprego, primeira casa fora daquele espaço que sempre fora minha casa, primeiro filho.
Em menos de uma década fui de menina à mãe. O futuro parecia estar sempre na próxima esquina, ocupando o presente.
Foi, também, nessa década que ouvi ser o Brasil o país do futuro, que o bolo estaria crescendo para ser dividido por todos. Ainda nesse mesmo período, vozes foram silenciadas.
Enquanto eu experimentava o primeiro beijo, outros experimentavam choques elétricos, mutilação de testículos e unhas, estupro, pau-de-arara, empalamento.
Enquanto eu planejava meu casamento, Lilian Celiberti e Universindo Diaz eram sequestrados pela Operação Condor. Poucas quadras separavam nossas casas no bairro Menino Deus.
Meio século desde aquele jogo do Brasil na Copa do México. Senão de forma tão alucinada como na década de setenta, o futuro da minha vida se construiu. Formatura, carreira, segundo filho, separação, encontros, reencontros e desencontros, guinada profissional, aposentadoria, formatura e casamento dos filhos, netos. De menina à idosa, sem tantas primeiras vezes, mas ainda com algumas especiais, em ritmo mais lento.
O tempo não parou para ninguém. Todos chegamos ao futuro e projetamos o que ainda teremos dele. O Brasil nunca chegou.
Sem ter chegado ao que era prometido como Nação, há um enorme esforço para fazer do passado de autoritarismo e violência, presente. Não há bolo para ser dividido, ele ficará com poucos. Fome, desemprego e desigualdade social são delírio comunista.
Fomos expatriados em nosso solo. O verde e amarelo não é mais do país. A Independência é comemorada com ataques à democracia. Não há futuro para uma Nação que não respeita a si própria.
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