Maria Avelina Fuhro Gastal
Inúmeros temas me passaram pela cabeça para a crônica desta quarta-feira. Oscilaram entre leves, engajados, existenciais, políticos, sociais. Abri o computador, acessei o word e nenhum deles me parecia suficiente.
Pensei em traçar paralelo entre coincidência, intenção e ameaça. Teria sido mais ou menos assim: coincidência é quando você está em uma rua qualquer, por um motivo qualquer e, do nada, encontra, por total acaso, alguém que não vê há muito tempo e que está na mesma rua, no mesmo horário, por motivos quaisquer. Intenção é quando você sabe que alguém frequenta ou trabalha em determinado lugar e passa a circular por ali na esperança de um encontro, aparentemente, casual. Quando você utiliza o conhecimento e os recursos que possui e os usa como arma para impor a sua presença, é ameaça.
Outra possibilidade seria a epifania provocada ao me dar conta que as cores que inundam o meu escritório no horário do pôr do sol contrariam a orientação dos pontos cardeais. Por que levei quase 6 anos para perceber que não era possível algo que acontece na minha casa todas as tardes?
Também poderia falar sobre mais uma humilhação virtual, além da compra do pijama já relatada em crônica. Seria leve, divertida. Estaria brincando com nossas limitações frente às inovações.
Se optasse por continuar a dar murro em ponta de faca, escreveria sobre o aumento do número de moradores de rua no meu bairro, sobre a diversidade de dizeres dos cartazes abertos quando a sinaleira fecha, todos escancarando a fome, o desemprego, o desamparo do nosso povo.
Esponjas, lençóis, quadros, séries de televisão, filmes, livros, noticiários têm potencial para crônicas. Qualquer atenção à vida, às pessoas, aos sentimentos, às memórias, aos desejos, aos sonhos, às experiências vividas pode nos levar para textos com as mais diversas características. O desafio não está nas possibilidades, mas em como fazer para não deixar a realidade contaminar nossa força vital.
O elemento básico da escrita é a vida. E ela não se resume às condições da minha existência. Há a vida que tenho, mas há a vida que vejo, a que percebo além de mim. E ela está triste. Se eu permitir que a tristeza invada todos os meus textos, farei deles um luto permanente. Se negar a tristeza, farei deles uma ode ao ufanismo. Conciliar luto com resistência passa pelo enfrentamento, consciência, debate e, também, pela possibilidade de rir, brincar, se divertir. De alguma forma, precisamos de leveza para suportar o peso.
O desafio não está só na escrita. Está em todas as esferas do nosso dia, quando buscamos forças para viver como rotina algo que não é normal. Incorporamos máscaras, distanciamento, álcool em gel. Ainda estou aprendendo a sorrir com os olhos, a estar perto à distância. Aprender é se adaptar, sem desistir de vir a viver sem tantos revezes.
Talvez eu precise encontrar para as minhas crônicas, e na vida, um espaço de adaptação que também seja de resistência. Hoje, não consegui.
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