Maria Avelina Fuhro Gastal
Alguns dormiram, outros acordaram experimentando um sentimento há muito esquecido. Até a esperança pareceu ganhar vez, o sorriso ficou mais fácil. Uma menina de 13 anos resgatou em nós a leveza sufocada pela realidade massacrante.
Rayssa brincou, se divertiu, dançou, deslizou e conquistou a Medalha de Prata nas Olimpíadas de Tóquio. Uma menina em cima de um skate, mostrando que não só meninos dominam a técnica de se manter em pé naquele pedacinho de madeira com rodas. De quebra, derrubou preconceitos que fazem de todo skatista desocupado, drogado.
Não foi Ouro na prova. Não importa. Mesmo que não tivesse conquistado nenhuma medalha, ela tornou inesquecível a alegria e a espontaneidade que oculta empenho, garra e atitude para superar desafios.
O nome Rayssa significa “mais relaxada”, “rosa”, “líder”. Se meninas devem vestir rosa, não pensem que isso será o suficiente para podar a força feminina. O processo de empoderamento é irreversível. Sem que precisemos perder a ternura. Sem que nos tornemos duras, insensíveis ou incapazes de nos divertir enquanto prosseguimos.
Em um mundo em que avança a extrema direita, as fronteiras se tornam mais sangrentas, as diferenças econômicas e sociais categorizam e excluem pessoas, ver uma menina skatista, brasileira brilhar, sorrir e comemorar com a mesma leveza com que competiu nos faz pensar que podemos lutar sem endurecer.
A pira Olímpica foi acesa por uma Naomi Osaka, filha de pai haitiano e mãe japonesa, atleta que se manifesta publicamente contra racismo, machismo e sobre questões de saúde mental. Paulinho comemorou o quarto gol contra a Alemanha simulando atirar uma flecha, em homenagem ao orixá Oxóssi. Laurel Hubbard, levantamento de peso, é a primeira atleta trans na história das Olimpíadas. Há, pelo menos, 160 atletas da comunidade LGBTQT+, levantando bandeiras, assumindo posições, vivendo seus relacionamentos. O mundo não vem mudando só para pior.
Engolfados por este turbilhão pandêmico associado ao tsunami de absurdos e desumanidades governamentais, precisamos treinar com afinco nossa capacidade de manter um olhar atento para aquilo que há de mudança e avanço positivo. Não é fácil, mas nenhum dos atletas olímpicos chegou lá enfrentando calmaria. Sempre haverá adversários. Não podemos nos igualar a eles para vencer. Precisamos ser melhores, conquistar o pódio com a mesma leveza que Rayssa subiu nele e levou cada um de nós juntos. Isso é Ouro.
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