Sou. E daí?


Maria Avelina Fuhro Gastal

Sou hetero. Você deve estar pensando, “tá e daí?”. Não faz a menor diferença para você minha orientação sexual. Também não deveria fazer se eu dissesse ser lésbica, bi, trans ou assexuada. Mas não é assim. Tudo que foge ao padrão heteronormativo causa alvoroço, fofoca, interpretaço.

Assumir uma orientação diferente da aceita é um desafio pessoal. Figuras públicas colaboram com a normatização do tema quando assumem orientação que não segue padrões ditos como normais. Marcelo Cosme, Paulo Gustavo, Adriana Calcanhoto, Daniela Mercury, Eduardo Leite contribuíram para trazer o debate da questão ao cotidiano preconceituoso da nossa sociedade. Todos brancos, bem-sucedidos, com boa formação escolar, social e cultural. Não representam, nem de perto, a realidade de milhares de pessoas que enfrentam a situação sem nenhum apoio familiar, nenhuma estabilidade socioeconômica, nenhuma política pública que freie a raiva policial ou ofereça apoio emocional.

Revelar-se gay, ou qualquer outra orientação, não te obriga a ser um ativista da causa LGBTQ+. Nunca fui ativista contra a gordofobia, embora me sentisse extremamente atingida. Até aqui, falamos de posturas pessoais, limitadas a nossas escolhas da forma de lidar com algo que nos diz respeito.

Eduardo Leite, o homem, optou por falar sobre a sua orientação sexual em um programa de televisão da Rede Globo. Eduardo Leite, o homem, é também um político que ocupa o governo do Estado do RS, e tem aspirações à cadeira presidencial. Não foi a coragem ou a defesa da causa que o guiou. Não desmereço a importância de falar abertamente sobre a questão, mas o momento e o local escolhidos dizem mais sobre intenções políticas do que sobre coragem pessoal.

Em 2018, no segundo turno das eleições presidenciais, Leite declarou apoio crítico ao candidato que veio a vencer o pleito e sempre trouxe um discurso homofóbico, além de sexista, racista, violento e tudo mais que estamos lidando no dia a dia desde a posse do senhor que ocupa a presidência da República. Foi ofendido por esse senhor com uma alusão desrespeitosa a sua orientação sexual. Leite entrou com uma ação junto ao STF e está avaliando as medidas cabíveis contra o ataque. Toda a agressão, todo o desrespeito devem ser julgados. É justo, mas é uma atitude de defesa pessoal. Não se traduz em posicionamento ideológico e social, se assim fosse, não teria apoiado, mesmo que criticamente, um candidato que não fez nada para esconder toda a perversidade contra homossexuais, mulheres, negros e pobres.

A poucos meses do início de nova corrida presidencial, Leite parece ter conquistado o lugar de terceira via para a Rede Globo. Sabemos o quanto ela se esforça para garantir seus interesses nas eleições. O telhado de vidro seria a orientação sexual. Descobre-se o telhado, evita-se as pedras, inevitáveis pela baixeza que tem caracterizado os debates eleitorais. Constrói-se a imagem de um homem jovem, corajoso, que não teme se expor, não tem nada a esconder e é articulado, respeitoso, com sólida formação educacional e boa base familiar. A alternativa perfeita para aqueles que votaram no atual presidente, estão arrependidos, mas continuam a rejeitar o PT.

“Sou um governador gay, não um gay governador”, para mim, não difere de “Vamos acabar com isso daí”. Ambas têm impacto, causam efeito, mas não aprofundam tema algum. São frases vazias de significado social, político e ideológico e servem apenas para reunir insatisfeitos de qualquer ordem.

Já li nas redes sociais que o próximo pleito será entre o gay assumido e o ladrão enrustido. Não aprendemos nada nesses últimos anos de constante ataque às instituições democráticas.

É próprio do regime democrático a oposição de ideias. Precisamos debatê-las para avançar e escolher de acordo com nossa visão de sociedade. A mim não interessa a quem o candidato ama, com quem ele dorme; se roubou, que seja punido, desde que cumprido o devido processo legal.

Corremos em volta do próprio rabo e estamos afundando nos rastros que nossos pés cavam no círculo sem fim. Comunismo é temido com total desconhecimento de que ele tem a ver com o controle dos meios de produção e não com o apartamento ou o carro financiado. É infinitamente maior a chance de serem tomados pelo sistema bancário do que sermos um país comunista.

O que deveríamos estar discutindo são as estratégias para enfrentamento do desemprego, da fome, da absurda desigualdade social, do preconceito em todos os aspectos, os mecanismos para acesso à educação de qualidade, o investimento em Ciência, a proteção ao meio ambiente, a liberação de agrotóxicos, a universalização da saúde e o investimento em saneamento básico, a garantia de justiça igualitária e tanto mais que temos de encarar. Estado mínimo ou Estado de bem-estar social? Como cada um enfrenta nossos problemas? Como avançar em um presidencialismo de coalizão sem ficarmos de reféns de um Centrão que há anos beneficia-se em troca de apoio para não paralisar os governos eleitos?

Vamos construir uma Democracia forte, baseada em ampla discussão de temas essenciais. Temos sido um bando de fofoqueiros, interesseiros, desinformados que facilmente se tornam presas de assuntos que só tem como interesse nos manter à parte do debate que realmente importa.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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