Métrica do cidadão


Maria Avelina Fuhro Gastal

Você é cidadão? Não tenho certeza. Pela métrica criada pela sociedade brasileira, ignorando a Constituição Federal, todos corremos o risco de não ser considerado cidadão.

Alguns quesitos, se respondidos conforme os parâmetros históricos, sociais e culturais, aumentam a possibilidade de que você seja, mas como a métrica ignora preceitos constitucionais, nada é garantido, sempre vai depender do olhar do outro sobre você.

Vejamos: qual o seu CEP? Sua renda mensal? A cor da sua pele? Seu grau de instrução? Relações com o Poder estabelecido? Profissão ou atividade?

Se você for branco, residente em áreas de classe média alta, com renda suficiente para consumir muito, conhece políticos, juízes, delegados e tem uma atividade profissional, não interessa qual, que lhe garanta status social, você é cidadão de bem.

Se você residir em área periférica, com renda insuficiente para garantir as condições mínimas de dignidade a si mesmo ou a sua família, conhecer o operador do tráfico que mora na mesma localidade ou o miliciano que desorganiza a sua comunidade para reorganizar pela força, você é bandido. Se for negro, nada mais interessa. Se for pobre branco, os olhos dos outro o enxergarão negro, bandido.

O cidadão de bem tem a presunção de inocência, o bandido, de culpabilidade. Entre as duas medidas, uma corda bamba em que tentamos cruzar com vida o desafio de ser brasileiro.

Com o cidadão de bem temos complacência. Toleramos que procedam a injúrias raciais, a “rachadinhas”, a assassinatos por dirigir embriagado, a descaso com menores sob seus cuidados que levem à morte, a desvio de dinheiro público para enriquecimento ilícito, ao tráfico de drogas, de armas, à sonegação de impostos, e tudo o mais que acompanhamos pela mídia ou testemunhamos em nosso convívio. Nossa indignação não vai além da discussão privada.

Com o bandido, queremos sangue. Não interessa identidade, circunstâncias, acusações. Se o CEP, a renda, a cor da pele condenam, não cabe a nós duvidar da culpa e protestar quanto à morte, “bandido bom é bandido morto”. Avalizamos e lavamos as mãos.

Na teoria vivemos em um Estado Democrático de Direito, na prática, na barbárie. Bradamos contra a violência urbana, enaltecemos a violência do Estado, violando o Art. 5º da Constituição Federal que garante serem todos iguais perante à lei, sem qualquer discriminação.

Todo crime deve ser combatido. Todo cidadão deve ter direito a um processo legal justo e imparcial. Ninguém pode ser condenado à morte, nem mesmo se culpado.

Ouvir dos cidadãos apoio à operação em Jacarezinho que resultou em um número absurdo de mortos é chocante. Ouvir do presidente e do vice-presidente de um país que se diz cumpridor da Constituição e das leis a justificativa de que os mortos eram “todos bandidos” ou que traficantes não são cidadãos, é revoltante. É a voz do Estado justificando o próprio desinteresse em enfrentar à desigualdade social histórica neste país e autorizando o assassinato. Nosso aplauso é dedo no gatilho. Mata.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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