Maternidade lado B


Maria Avelina Fuhro Gastal

Passadas as cerca de 40 semanas, iniciadas por enjoos, seguidas por suaves ondulações de movimentos na barriga que desponta com graça, e finalizadas por nariz, boca e extremidades inchadas, pontapés na bexiga e uma barriga que impede que enxerguemos os próprios pés, chega o dia em que teremos nos braços a criança que nos fará mãe. Não importa se é a primeira, segunda, terceira ou décima vez, a cada parto, nasce uma nova mãe.

Horas de contrações, algumas súplicas por analgesia, cortes por episiotomia ou cesárea, ou nenhuma intervenção, nasce o bebê que faz com que transbordemos em emoção.

Todos falam da magia da maternidade, poucos dizem das suas agruras. A primeira mamada, dói. A ida para casa com o bebê, assusta. As noites insones, esgotam. O choro desconhecido trucida nossa serenidade.

De repente, não conseguimos tomar um banho relaxante, às vezes, nem mesmo o necessário. Comemos quando dá, dormimos quando possível. E mesmo com toda a nossa dedicação, ele chora. Chora pela manhã, pela tarde, pela noite, pela madrugada, a qualquer momento, em todos os momentos.

Passamos a achar que não temos jeito para a maternidade. As mulheres mais velhas da família costumam confirmar nossa suspeita, “dá para mim que eu acalmo”, “vai ver teu leite é fraco”, “está com calor, colocaste roupa demais”, “está com frio, colocaste roupa de menos”, “é cólica, o que andaste comendo?”, “nunca vi um bebê chorar tanto”. Entre a incompetência e a raiva, choramos sem ver saída para o tormento em que nossa vida se transformou.

Se cruzamos por um espelho, não vemos a mulher que um dia fomos. O corpo disforme, os cabelos desarranjados, as olheiras fundas transformam a nossa imagem em um pesadelo. As roupas não têm atrativos, só aberturas que facilitem a amamentação de manhã, de tarde, de noite e de madrugada.

Em meio ao cansaço, duvidamos do nosso amor. Calamos. Sentimos culpa. Afinal, a maternidade é divina, sagrada. Nos tornamos indignas. Choramos. Sofremos. Não encontramos espaço para falar do proibido. Devemos ser a única a sentir assim. Somos o problema.

Vivemos em altos e baixos, não reconhecemos as nossas emoções, nem a nós mesmas. Ninguém parece enxergar o turbilhão. E posamos para as fotos, sorrimos. Engolimos a dor.

No looping frenético encontramos a paz quando o bebê adormece em nossos braços. O calor daquele corpinho encostado e entregue ao nosso traz a certeza do amor questionado. Voltamos a ser um e reconhecemo-nos um no outro, nas batidas do coração, no ritmo da respiração.

Maternidade é aprendizado. Afeto é construção. Conflito é humano. Vamos nos tornando mães a cada dia, a cada fase, a cada momento, a cada filho. Nunca estamos prontas, finalizadas. Vivemos diferentes partos e puerpérios ao longo de toda a nossa vida com os filhos. Jamais temos certezas, duvidamos das nossas atitudes, não temos as respostas. Acertamos, erramos, tentamos, desistimos, retomamos, nos reinventamos.

O lado A da maternidade é enlevo e emoção. Está na troca de olhares, no beijo babado, no aconchego, no abraço apertado, na primeira risada, nos primeiros sons, nas gracinhas, nas descobertas, nos primeiros passos, nas primeiras palavras, na conquista da leitura e escrita, nas formaturas do jardim à faculdade, na cerimônia de casamento, no nascimento dos netos, nas flores e mensagens enviadas, no carinho espontâneo.

O lado B da maternidade é desafio e aprendizado. Está na birra, no quarto bagunçado, na tarefa não feita, na resposta atravessada, nas dificuldades de aprendizado, no temor ao uso de drogas, nas noites de ausências, nas escolhas que desconhecemos, nas opções que diferem do que somos.

O lado A é permanência, o B, mudança. Nenhum dos dois é suficiente em si mesmo. Se só A, estagnamos; se só B, nos perdemos.

Conviver com o lado A e com o lado B, e ter espaço para reconhecê-los , faz da maternidade uma vivência que não se esgota, mas se renova e refaz para além de nossa própria morte.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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