Amigos imaginários


Maria Avelina Fuhro Gastal

Por um bom tempo, na minha infância, convivi com o Paulinho. Sempre havia à mesa uma cadeira reservada para ele. Dividia a cama com o meu irmão nas noites em que ficava para dormir. Era parceiro nas brincadeiras com o Forte-Apache ou com O Pequeno Engenheiro. Como única menina, me submetia à vontade do Paulinho e do Edmundo. Nas brincadeiras com bonecas, panelinhas e de professora ele nunca aparecia. Nunca ouvi a voz dele nem vi o rosto. Tudo que sabia era contado pelo meu irmão, já que Paulinho era o melhor amigo dele. Sem aviso prévio, Paulinho sumiu da nossa casa. Estávamos tão acostumados com ele que minha mãe perguntou o que havia acontecido.

—Morreu queimado.

Assim meu irmão deu fim àquela amizade. Na época ele queria ser índio quando crescesse. Temo que o Paulinho tenha ardido em alguma fogueira da imaginação do Edmundo.

Minhas amizades sempre foram reais. Até então. Elas ainda existem, mas nossos encontros são imaginários.

Todo os dias imagino que amigos virão aqui. Em grupos, sozinhos. Aposento a bermuda, camiseta e chinelos e escolho uma roupa para recebê-los. Solto os cabelos, passo rímel e batom, uso um perfume suave.

Penso no que servirei, tento lembrar das preferências de cada um. Alguns virão para o almoço, outros para o lanche da tarde e há os que estarão aqui para a janta. Se grupos, penso em opções que agradem a todos. Se sozinhos, vasculho na memória os pratos que já agradaram. Desprezo a louça do diário, preparo a mesa com uma linda toalha, alterno entre os pratos da coberta de mesa que ganhei de casamento ou da que era da minha avó paterna e herdei da minha mãe. Copos e talheres da cozinha ficam guardados. Meus amigos merecem o que tenho de especial.

Monto playlists para acompanhar os encontros, vaporizo a sala com perfume para ambientes, coloco nos banheiros as melhores toalhas, preencho os recipientes para sabonetes líquidos. Compro flores, distribuo pela sala.

Faço doces. Compro vinho, cerveja, água e refrigerante. Para beliscar, queijos, azeitonas e copa. Afofo almofadas, distribuo descansos para copos nas mesas auxiliares. Experimento iluminação indireta, decido que abajures ficarão acesos. No frio, acendo a lareira. No calor, ligo o split. Nem frio nem calor, escancaro as vidraças.

As conversas se estendem, rememoramos o passado, afugentamos a tristeza, compartilhamos vivências, dúvidas e esperanças. Rimos, brincamos, convivemos.

Minha casa está fechada há um ano. Quando puder abri-la, quero todos de volta. Aqueles que jamais vieram também estão convidados. Não preciso de lojas abertas, de restaurantes e bares. Preciso das pessoas. Vivas. Se o dinheiro ficar curto para servir tudo que planejo, ofereço um café, bolachinhas, afeto e muitas saudades.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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