Maria Avelina Fuhro Gastal
Sempre foi assim. Ele da noite, eu do dia.
Seu maior desafio era manter-me acordada, conversando horas a fio. O meu, tirá-lo da cama de manhã cedo.
De comum entre nós, o gosto pelas palavras, pelos diálogos, pelas histórias contadas nos livros e nas telas dos cinemas. Pode ser que nosso desencontro de fuso horário tenha nos ajudado a seguir em frente, ou nos perderíamos em um falar sem fim.
Embora próximos, a vida nos distanciou. Nossas diferenças foram além do ritmo das horas. Manifestaram-se em nossas posições como filhos, como cidadãos, como pais, como adultos. Tivemos que reencontrar o afeto na aceitação de nossas individualidades.
De manter-me acordada, ele nunca desistiu. E eu sempre resisti.
Foi no silêncio dele que nos reaproximamos. Voz ceifada, restaram-nos as palavras escritas, os gestos desajeitados, a mímica ineficiente. Mas não calamos.
Naquela noite, como todas as outras nos últimos vinte dias, seu silêncio era total. As mãos já não reproduziam as palavras, os olhos já não liam o mundo. Só eu não silenciava. Atravessei a madrugada falando. Não sei se me ouvia. Com o dia despontando, desistiu da vida. Talvez sorrindo, por ter, naquela última noite, vencido o jogo começado há mais de quatro décadas. Conseguiu me manter acordada, mas eu jamais serei capaz de acordá-lo novamente.
Hoje, seria o aniversário dele. Esse texto foi escrito há sete anos, há onze, o dia 24 de fevereiro é incompleto. Quando se perde um irmão, parte de nós se perde junto. Segredos, vivências, cumplicidades caem no vazio. Talvez estivéssemos discutindo mais do que nunca. Ter irmãos é aprender que podemos ser diferentes um do outro com respeito e afeto. O Edmundo me faz falta. Sempre fará.
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