Superando paradoxos e idiotices


Maria Avelina Fuhro Gastal

A mãe chega em casa com dois pacotes e entrega ao filho. Ele abre e há uma camisa listrada em um e uma xadrez no outro. A mãe pergunta se gostou e ele diz que sim. Ela sorri, ele vai para o banho. Volta vestindo a camisa listrada, sorridente. Ela o encara com tristeza e pergunta se ele não gostou da xadrez. O filho volta para o quarto, troca a camisa e volta para a sala. A mãe encara-o mais uma vez com amargura, “então não gostaste da listrada? Só vestiste para me agradar?”

Esse é um exemplo clássico de uma comunicação esquizofrenizante. O paradoxo é inerente, qualquer que seja a escolha não há como acertar, são excludentes.

O governo do Estado pinta o mapa em vermelho pelo alto risco de contaminação por COVID. O mesmo governo suspende a limitação do número de alunos em sala de aula.

O governo Federal prioriza a Economia no combate a pandemia. O país suspende o Carnaval, corre o risco de ficar isolado do mundo por não conter o avanço do vírus, perde turistas.

Os hospitais têm elevado número de pessoas internadas por COVID em UTIs, o número de mortes diárias ultrapassa a casa dos mil há semanas, enfatiza-se a importância do distanciamento social e do uso de máscaras. Restaurantes, bares, cinemas e shoppings permanecem abertos.

Uma nova cepa de vírus, mais contagiosa, aparece em Manaus. Distribui-se os contaminados entre hospitais por todo o país.

Não sei vocês, mas eu estou confusa. Passei a duvidar da minha sanidade. Beiro à paranoia, à fobia social, à angústia. As mensagens me parecem contraditórias. Ou sou eu quem está “overreacting” à realidade? Afinal, qual é a realidade?

Os números da pandemia e as alterações do vírus nos remetem a uma grave situação. As ações dos governos, a uma volta à normalidade, sem nada de novo. Negam? Desistem? Omitem-se? Digam o que quiserem, menos que é por incompetência. Há nas ações uma coerência histórica ao descaso com as vidas humanas. O mercado vale mais do que qualquer um de nós. Somos engrenagens substituíveis, descartáveis.

Cansados? Eu estou. Mas isso não pode ser motivo para ignorar os riscos. Quem justifica as ações com esse argumento está escondendo o seu egoísmo e seu desrespeito ao outro. Assumam que estão pouco se lixando de contaminar familiares, amigos, seus ou dos outros, desde que seu prazer esteja garantido.
Há um mês as vacinas foram liberadas. Não há previsão de quando chegarão a um número expressivo de brasileiros. Faltam doses, insumos, campanhas de orientação, compromisso governamental com a ampliação e distribuição de doses.

Vamos nos mantendo pela vontade de viver, mesmo que a maioria, no âmbito público, privado e social, contribua para o extermínio.

Para o mundo, deixamos de ser um povo alegre e brincalhão. Passamos a ser um bando de idiotas e irresponsáveis. Querem distância de nós. Estamos enjaulados pelas fronteiras de nosso país.

Hoje, a quarta-feira é de cinzas, de que ano não sei precisar. Se no Brasil o ano só começa após o Carnaval, ainda seria 2020. Pela forma como agimos, nem no século XX ingressamos. “O país do futuro” caminha a passos largos para um passado impregnado pela barbárie e, pior, aplaudido por um sem-número de palhaços que nos tornamos.

Superar o paradoxo das comunicações e ações governamentais face à realidade tem sido um exercício diário.

Não ser inconsequente, idiota, egoísta e irresponsável é uma opção de vida.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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