Fechado para balanço


Maria Avelina Fuhro Gastal

Toda vez que vi afixada às portas dos estabelecimentos comerciais a expressão “Fechado para balanço”, fantasiei que havia um mutirão de funcionários contando mercadorias, descartando as vencidas ou em más condições, higienizando prateleiras, reorganizando estoque, colocando em ordem tudo que a rotina havia bagunçado, trazendo harmonia visual para retomar as atividades em um ambiente mais controlado e equilibrado.

Sou das Humanas. Jamais pensei em números sendo aferidos, calculados e recalculados. Apesar de reconhecer o quanto deve ser difícil fazer todos os cálculos necessários, ao final, o resultado continuam sendo números. Podem servir para mudar estratégias, mas não são eles que transparecem quando as portas reabrem para receber clientes.

Talvez eu quisesse a possibilidade de “fechar para balanço”. Quem nunca quis? Colocar uma tarja em cima da minha foto, usar o período para reavaliar experiências, classificar desejos, organizar vivências, ordenar sentimentos, expectativas e possibilidades. Encontrar o controle sobre os temores, as raivas. Descartar as sobras do passado, harmonizar o presente. Equilibrar emoções para poder expressá-las em harmonia.

O problema é, fechados em nós, a dimensão de tudo aumenta. O passado invade o presente, as vivências sufocam, os temores e as raivas ganham volume e as expectativas e desejos esmorecem. Nosso mundo interno se agiganta. Fechados para balanço ficamos à beira do colapso, entregues a uma inquietude que não nos impulsiona à mudança, somente nos impede de enxergar uma saída.

Estamos todos soterrados. Falta-nos o ar, a presença, a possibilidade de uma vida perto do normal. Pesam a convivência com o cônjuge, com os filhos, a solidão de não ter com quem conviver, os sonhos adiados, as expectativas frustradas. Mas estamos vivos. Precisamos cavar e encontrar uma brecha por onde a luz possa se esgueirar e o ar possa ser renovado.

Não podemos permitir que o peso trazido pela pandemia, pela situação do país, transforme em peso toda a vida que já construímos nem esmague qualquer esperança de voltarmos a respirar, a abraçar, a beijar, a conviver sem medo.

Fechar para balanço não nos reorganiza. Corrói a nossa força. Precisamos, mais do que nunca, estar em contato com o outro, acreditar naquilo que nos víamos capazes. Tem sido fácil esquecermos. Tem sido inevitável cansarmos. Tem sido inevitável chorarmos. Tem sido inevitável sentirmo-nos incapazes. Tem sido inevitável pensarmo-nos impotentes. Sucumbir, não é inevitável, mas fechados e sozinhos corremos o risco de nos deixar levar e não reencontrar o caminho para voltar.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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