Doze de doze de 2012


Maria Avelina Fuhro Gastal

Muito antes de saber que 12/12/2012 seria a data, eu já me assustava com o que ela, ou qualquer outra que fosse, representaria na minha vida.

Ela foi postergada, primeiro pela obrigatoriedade de pagar um pedágio por mudança de legislação, depois por eu ter assumido o compromisso de permanecer até o final da gestão de 2012 na direção do Departamento de Gestão de Pessoas da Assembleia Legislativa do RS, mesmo que isso representasse a permanência além do exigido para a aposentadoria.

Por mais de trinta anos, todos os dias, me faltava tempo para tudo que eu tinha para fazer. Quando a possibilidade de o ter disponível aproximava-se, não sabia o que fazer com ele.

Naquele momento acontecia um encontro que eu jamais havia experimentado, tempo para mim. Percebi que, até então, o queria a mais como mãe, como dona de casa, nunca como pessoa única, com vontades centradas em mim.

Adolesci nos anos setenta. Minha geração buscou a formação profissional. Para garantirmos nosso reconhecimento, mergulhamos de cabeça no trabalho. Mulheres que entraram em um mercado predominantemente masculino. Não estávamos ali a passeio nem como passatempo. E nos sentíamos compelidas a provar isso a todo o momento. Construímos carreiras, obtivemos sucesso, atingimos a independência financeira. Sentimos orgulho de nossa trajetória.

Em casa, os filhos precisavam de nosso peito, do nosso colo, de aconchego, de atenção, de disponibilidade, de paciência, de orientação, de ouvidos para seus medos, dores, descobertas. Adoeciam, necessitavam cuidados, medicação na hora certa, dieta específica. Pouco dividíamos com os pais. Eles, e nós, ainda trazíamos a forte experiência de caber às mães os cuidados com as crianças.

Equilibramos carreira, criação dos filhos, organização da casa e da rotina familiar, compras no supermercado, idas ao pediatra, ortodontista, oftalmo, otorrino, reunião com professores, festinhas infantis, saídas de adolescentes, limites, desobediências. Não raro, passamos bem longe da sensação de controle das situações.

Aos vinte anos, passei de filha à mãe, sem estágio probatório. Aos trinta, éramos três, eu e meus dois filhos, sem ninguém para dividir responsabilidades, dúvidas e contas a pagar.

Cada vida tem sua especificidade, mas, historicamente, as mulheres se pensam a partir da necessidade dos outros. Olhar para si é tido como egoísmo, falta de sensibilidade, negação de um instinto maternal. Obedecemos a séculos de mentiras sobre quem somos.

À aposentadoria soma-se a saída dos filhos de casa, a menopausa, o envelhecimento ou morte dos pais, a pele flácida, as rugas ao redor dos olhos, os cabelos que branqueiam. Para algumas, ainda, o fim de longos relacionamentos, por divórcio ou morte do cônjuge. Tudo que nos definia parece extinguir-se ao mesmo tempo.

Confesso que tive muito medo. Medo de ficar velha na frente da televisão, de ter como única atividade os cuidados com futuros netos, de acordar em dias vazios, de não ter nada que me desse a sensação de estar viva, de ter rotina desprovida de prazer.

Acordei no dia doze de dezembro de 2012 sem ter que ir trabalhar, sem precisar levar ou buscar filhos em qualquer lugar, sem medo de perder a função gratificada, sem necessidade de fazer contas para equilibrar orçamento. Nada da vida que conheci por mais de trinta anos. Por sorte, o verão estava próximo, me pensei em férias para não enlouquecer ou me deprimir.

Férias não duram para sempre. Viver à espera da morte não estava nos meus planos. Precisava buscar sentido para a nova fase. Tateei. Tive que aprender a reconhecer vontades e desejos. Mais, tive que assumir que eles existiam, mas eu os desconhecia. Não fomos autorizadas a buscar prazer. Somos ótimas em cumprir papéis, estabelecidos por outros e por nós mesmas.

Oito anos depois, ainda tenho lutas internas para calar vozes que não são minhas. Avancei. Agora me vejo livre para usufruir do tempo a mais. Nele não está muito daquilo que pensei que estaria. Se fico no lamento, perco possibilidade de ser feliz. O que tenho é o que está aqui, agora, e todas as outras oportunidades que construo ouvindo meus desejos.

Pela primeira vez, sou o meu centro. Não há egoísmo nisso. Se me olho e me cuido, libero meus filhos para que vivam suas vidas, sem culpa, e encontro todos os dias motivos para levantar da cama e traçar meu dia conforme minhas vontades. Meu único problema é a falta de tempo para tudo que quero.

Pela nova legislação, ainda estaria no processo inicial de enfrentamento da aposentadoria. Mudanças severas foram implementadas durante o jogo em andamento. Insegurança jurídica está no gene brasileiro. O que mais me assusta no momento é a pauta sobre costumes que encontra ressonância em uma sociedade ainda extremamente misógina e sexista, apoiada inclusive por mulheres. Há muito se sabe que as mulheres e os seus direitos são os primeiros alvos do autoritarismo, disfarçado sob um discurso de proteção à família. Família é responsabilidade compartilhada.

Mulher é mais do que mãe. Mulher não tem que ser mãe. Somos o que quisermos. Não calemos nossas vontades nem permitamos que outros as calem.





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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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