Maria Avelina Fuhro Gastal
Estamos em dezembro, mesmo que não tenhamos saído de março. O calendário insiste em marcar o tempo de nossas vidas suspensas. Obedecemos a ele e percebemos que nossa vontade não tem vez.
Dezembro sem encontro familiar para comemorar o aniversário da minha filha e, juntos, decorarmos minha casa para o Natal.
Dezembro sem a eterna crise de onde será a ceia de Natal e a virada para o novo ano. Sem indiretas sobre o amigo secreto, sem lista de sugestões de presentes nem combinação de qual prato cada um trará.
Ainda assim, dezembro. Último mês de um ano em que desconhecemos nossas vidas. Surpreendemo-nos com comportamentos de pessoas que tínhamos como tão próximas, enfrentamos temores, ausências, saudades, reconhecemos limitações e a força que cada um de nós carrega.
Os grandes planos e sonhos para 2020 perderam a vez para planos e sonhos, até então, rotinas; estar com quem amamos, encontrar amigos, ver sorrisos, acomodar-se em um abraço.
Das tradições de dezembro, duas nunca me agradaram: o especial do Roberto Carlos na Globo, e a retrospectiva do ano. Uma delas parece que não vai ter, o que me dá uma perspectiva de fim dos tempos, a outra, não vou assistir. Não preciso que me lembrem de todas as tristezas, mortes e descalabros mundiais, nacionais e locais em 2020.
Mas, inevitável olharmos a nossa vida em retrospectiva. Este ano ela teve, e tem, algo de novo, nos traz o desconhecido no mundo e em nós mesmos.
Uma única forma me vem à cabeça para definir meu ano: palavras.
Proliferaram em textos, na participação em coletâneas, na publicação de Ecos e Sussurros, em mensagens de whatsapp, em conversas por vídeo, em aulas on line, em lives, em crônicas, contos, novelas, romances escritos em mim, mas que ainda não encontraram o papel.
Trouxeram-me histórias relidas, outras novas, mostraram-me angústias diversas, desnudaram miséria, denunciaram silenciamentos e desrespeitos, me acompanharam para que a solidão não tomasse conta da minha vida.
As silenciadas não tinham quem as ouvisse, mas, mesmo assim, travaram diálogos em mim. Neles estavam rostos, vozes, sorrisos, lágrimas, encontros, desencontros, agradecimentos, repulsa e despedidas.
Não sei por quanto tempo mais teremos que conversar conosco mesmos. Pelo menos que façamos dessa conversa uma ponte para nunca mais perdermos oportunidades do dizer. Hoje, sabemos que, de um dia para o outro, sem que permitamos, a vida limita-se a nós, sem ninguém para compartilhar tanta vivência nem para nos distrair de nossas angústias.
Talvez eu nem enfeite a casa para o Natal. Não importa. É dezembro, o ano está no fim, ressurge a esperança de um próximo ano melhor. Mesmo que demore, não somos mais inexperientes.
É dezembro. Aniversário da minha filha. Expectativa pelo nascimento do meu neto.
Bem-vindo, dezembro. Em ti, me despeço de março. Empilho amajujuagosetoutnov e me empolgo para recomeçar.
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