Pro dia nascer feliz


Maria Avelina Fuhro Gastal

Acordei impregnada por clichês. Nacionais, estrangeiros, através de imagens, músicas, discursos, bordões.

Mal abri os olhos e a frase se formou na minha mente: I have a dream. Quem não tem? O triste é, depois de 57 anos, o meu sonho e o de outros tantos ser o mesmo de Martin Luther King. O bom é que não desistimos, afinal somos brasileiros e não desistimos nunca.

Não havia possibilidade alguma de fazer qualquer outra coisa no dia antes de votar. Sai já pronta para a caminhada que faria a seguir. Um quilômetro e pouco separa a minha casa da sessão em que voto. No caminho, fui cantarolando Horizontes. Os versos “há muito tempo que ando nas ruas de um Porto não muito Alegre” concatenados com ruas abandonadas, lixo pelas calçadas, passeios irregulares, meio-fio com capim e outras heras crescendo desordenadas. Passei por inúmeras pessoas dormindo no chão, cobertos com papelões, deixando para fora as solas encardidas dos pés. Pessoas desassistidas, invisíveis para nós no cotidiano, gente tratada como bicho, em uma época de proliferação de pet shops.

Nenhuma fila na minha sessão, meu voto há muito decidido, só mulheres na minha cédula. Yes we can. A frase do Obama me impulsionou na caminhada de cinco quilômetros em um calor escaldante. Transpirar pareceu purificação. Drenagem da tristeza, do choro contido ou escancarado frente à realidade que vivemos. Podemos e merecemos mais.

Embora sozinha, caminhei com a altivez e com os passos das sufragistas. A imagem cadenciava as passadas, buscava no ritmo e consistência a certeza da ocupação de um espaço por mulheres. Somos muitas, nós temos a força, podemos fazer a diferença. Ao infinito e além.

Tenho uma ideologia para viver. Quero que meus inimigos saiam do poder. Desisti de um Brasil do futuro que nunca chega. Busco no presente a possibilidade de construção de uma sociedade mais justa, de reencontrar uma cidade mais humana, também almejada por homens, que entenderão porque meu voto não foi para eles.

Agora eu só quero que o dia termine bem e que amanhã eu posso acordar com mais esperança, menos temor e tristeza, com mais fé no futuro e na humanidade.

Adaptando frases de efeito, que hoje tenhamos dado um pequeno passo para um salto gigantesco para a cidade.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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