Histórias de cotonetes


Maria Avelina Fuhro Gastal

Minhas três primeiras noites de 2020 foram recheadas com histórias de cotonetes. Momentos mágicos. Assim como vocês, estranhei que as histórias fossem de cotonetes e, na bobice de adulta, tratei de corrigir, dizendo que eram de marionetes. Não surtiu efeito e foi confirmado que eram de cotonetes. Insisti na correção. Quase já sem paciência para o meu desconhecimento, minha neta, com a sabedoria dos seus cinco anos, apenas disse:

—Vó, espera que você vai ver o que é uma história de cotonetes.

Esperei. Ela voltou para o quarto com um saquinho de pano, amarrado com um laço de fita, o mesmo em que eu havia colocado junto com o presente dela na árvore de Natal, contendo as bolachinhas que tanto ama.

Deitamos na mesma cama, bem juntinhas, e ela disse que seriam uma história de cotonetes, uma de verdade e uma da minha cabeça. Nesse tempo ela decidiria se dormiria comigo ou não daria folga para os pais.

Abriu o saquinho com a minha ajuda e tirou dele um chumaço de algodão e seis palitos de cotonetes, pelados. O algodão seriam as nuvens e cabia a mim segurá-los compondo o cenário. Os palitos de cotonetes eram os personagens, que viviam a história embaixo das nuvens.

Na primeira noite, os personagens estavam se sentindo solitários (palavra dela), pois os amigos tinham ido embora. Conversavam entre eles sobre o que fazer sem os amigos para brincar. Decidiram se divertir até reencontrar os amigos. E viveram felizes para sempre.

Na segunda noite, um dos palitos ia para a escola grande e estava com medo. Foi conversar com o palito-diretora para que deixasse o palito-mãe ficar junto na escola. Primeiro o palito-diretora concordou, depois mudou de ideia. Daí o palito-criança tinha uma grande decisão a tomar, sentir medo e não ficar sozinho na escola ou criar coragem e ficar. Ganhou coragem e foi brincar com os outros palitos-crianças. E viveram felizes para sempre.

Na terceira noite, tive um papel mais ativo. As nuvens estavam brabas, resmungando, chovia muito. As crianças-palitos estavam tristes, sem praia, piscina ou pracinha. Decidiram tomar banho de chuva. E viveram felizes para sempre.

Ontem voltamos da praia e, à noite, senti falta das histórias de cotonetes, da proximidade com a minha neta, do abraço apertado na cama e dos diversos beijinhos de boa noite.
Hoje vou criar minha própria história de cotonetes. As nuvens estão pesadas, o mundo queima, a intolerância cresce, a desigualdade social aniquila vidas. Os palitos-adultos se sentem tristes, indignados, incompetentes. Aos poucos vão se aproximando e encontrando entre eles aconchego, afeto, segurança. São amigos, família e juntos enxergam também a beleza nas cores do mundo, nos sorrisos, nas invenções das crianças. E vivem felizes para sempre.

Aprendi nessas três noites que o “felizes para sempre” não tem a ver com o “sempre”, mas com o possível na diversidade que faz com que se tenha forças para continuar buscando um mundo mais feliz. Eu, adulta, aprendi com ela, criança.

Obrigada, Alice. Meu palito-criança que me faz muito feliz.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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