Maria Avelina Fuhro Gastal
Demos para chamar urubu de meu louro e acharmos normal. Se duvidar, ainda ajudamos a colorir as penas para cobrir qualquer vestígio que desmascare nossas palavras. Assim, nominamos as situações e a realidade com expressões que não mostram a verdade.
Velhice virou melhor idade; desvalidos, desabrigados, desassistidos são moradores de rua; desempregados tornaram-se trabalhadores informais, como se tivessem optado e não procurado um meio de subsistir em uma sociedade desigual.
Defendemos a troca de algumas formas de se referir a pessoas ou situações como politicamente correta. Para mim, o politicamente correto só se justifica em respeito ao outro, como forma de alteridade, mas quando serve para aliviar a nossa culpa e mascarar a realidade nada mais é do que uma forma perversa de não promover mudanças.
Quando crianças em regiões de pobreza morrem por bala perdida, quando helicópteros disparam tiros a esmo, quando negros são perseguidos e encurralados apenas pela cor da pele ou situação social, quando jovens da periferia são massacrados, chutados, pisoteados e mortos, não vivemos uma tragédia. É extermínio. Tragédia é acontecimento triste, funesto, catastrófico, que infunde terror ou piedade. Extermínio é política de Estado. Vai se repetir, vai encontrar justificativas, vai fazer parte das manchetes até o próximo ato. Vai ser esquecido. A tragédia fica nas famílias, nas comunidades, nas escolas que viverão a ausência, a dor e o medo da repetição. O extermínio cerca-se de impunidades e discursos vazios, uma vez instalada essa política, qualquer justificativa serve.
Sem meias palavras ou amaciamento do que vivemos, nosso povo está sendo assassinado. Assassinado por ser pobre, por ser negro, por ser mulher, por defender o meio ambiente, por denunciar abusos. Então, encare a realidade. Você pode ser o próximo a ser alvejado. Corro riscos por ser mulher, por estar indignada com a selvageria instalada entre nós. Você talvez corra riscos pelas mesmas razões, ou por ser negro, ou por defender o meio ambiente, ou por participar de manifestações, ou por denunciar abusos, ou por ser homoafetivo, ou por achar que está tudo bem em uma política de Estado de extermínio. Lembre-se que talvez eles achem que você não parece tão branco, tão remediado, tão crente, tão adaptado, tão másculo, tão feminina, tão boa pessoa quanto você se enxerga. Seu silêncio sobre essa política é licença para matar qualquer um de nós.
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