Maria Avelina Fuhro Gastal
Nesses sete meses sofri nocautes, desilusões, reconheci limitações, tive epifanias.
O pó venceu. Calma, não virei cocainômana. Pelo menos, ainda não. Sabe-se lá o futuro nesta pandemia infindável. Fui derrotada pelo pó caseiro, só me resta assimilar a derrota. Desisti, faço de conta que não vejo e só me dedico a ele uma vez por semana. Sempre termino arrasada. Passo o pano seco, seguido do úmido. As partículas de pó aproveitam para bailar pelas peças. Basta uma piscadela e elas aterrissam, exatamente onde acabei de limpar. Vão à merda. Não sou palhaça de vocês. Fiquem aí, morram sem conhecer a rua, sem viajar pelo mundo, paradas, sempre dentro da mesma casa. E não, não é a mesma situação que eu vivo. Quando for seguro, só volto no ano seguinte, mas vocês se acharão donas da casa, quando, na realidade, estão presas nela.
Fui ferida por um livro. Nada existencial nem emocional, a princípio. O ferimento foi físico. E não por ter desabado em minha cabeça ou naquele dedo mindinho que não sabe viver sem fraturas. O golpe veio do texto, mensagem subliminar, digna de uma teoria da conspiração. Nas páginas de Sábado, o narrador olha para as unhas da filha para perceber a condição emocional dela. Unhas descuidadas, conflitos pessoais camuflados. Claro que olhei para as minhas unhas, fechei o livro, me muni de lixa, tesourinha, espátulas e alicate de cutículas. Sangrei, perdi partes de mim. Não só minhas mãos denunciavam conflitos pessoais como também atitudes de automutilação. O martírio intensificou-se pela constante necessidade de álcool em gel e pela impiedosa exigência da pia com louça. Tratamento de choque ou instrumento de tortura? Desde lá ignoro minhas unhas tanto quanto meus conflitos pessoais.
Com as saídas para caminhar, percebi que ganharei fama de antipática e fazida. Com tanto sol, as pessoas insistem no uso de óculos escuros. No mesmo rosto, óculos e máscara. Sei eu lá quem está atrás daquilo tudo. Passo reto e escuto um “oi, Avelina”. Viro e retribuo com outro oi, sem nome ou referência. Meu cérebro é lento nas sinapses, até que junte a voz com o rosto oculto, já passei por outros, e vivo a mesma situação. Pelo menos é gratificante ouvir meu nome na rua, depois de tanto tempo em silêncio. Obrigada, gente. Amo vocês, seja lá quem são vocês.
Preciso comprar cuecas. Nunca havia percebido o quanto estou vulnerável. Moro sozinha, se alguém entra na minha casa, onde vou esconder o dinheiro? Neste mundo machista e misógino convenceram-nos de que calcinhas fio-dental ou de corte minúsculo valorizam o nosso corpo. Puro mecanismo de perpetuação de dependência econômica, a nós cabem moedas e alguns poucos trocados. Rompo com essa ideologia. Dormirei de cuecas, normais ou, no máximo, tipo box; samba-canção já seria devaneio otimista.
Cuecas são mágicas. Só de pensar nelas me ocorre uma ideia grandiosa (sem duplo sentido). Quem topa uma parceria comigo? Sem malícia. Parceria profissional. Imagino um curso ou consultoria a advogados para construção de narrativas. Conceitos de verossimilhança, coerência interna da narrativa, construção de personagens e adequação da voz às características da personalidade imaginada seriam elementos básicos na proposta. A partir deles, a opção pelo gênero. Imagino que o realismo fantástico poderia ser de grande auxílio, desde que dominadas as técnicas, caso contrário, é pura palhaçada.
Se alguém tiver interesse em firmar parceria nessa proposta, pode manifestar-se nos comentários. No entanto, atenção, parcerias de outra ordem, só no privado.
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