Maria Avelina Fuhro Gastal
Duda calça as chuteiras. Entra em campo e pode ouvir o grito da torcida. Um arrepio percorre seu corpo em transformação. A camisa vermelha é sua paixão e a bola sua companheira. Aquele não foi um ano bom. Os amores são assim. Às vezes nos decepcionam, mas, se verdadeiros, encontram forças para superar o pior momento.
Rê prefere a sapatilha. Após um grand plié, flutua sob os jacarandás em arabesque e entrechat. O palco a fascina, a dança a alimenta. O tutu branco, lembrando camadas de algodão que se movem em um compasso harmonioso, a faz imaginar-se um pássaro que voa sem esforço.
Atenta às crianças, a mãe não deixa de viajar. Em um curto espaço de tempo visita Paris, Londres, Roma, Veneza. Desliza pelo Sena iluminado por um céu de gotinhas de luz, visita a Rainha, encara os leões do Coliseu e repousa em uma gôndola, tendo ao fundo uma melodia suave que lhe acalma a alma.
Não pensa só em viagens. Logo está envolta em temperos que lhe despertam os sentidos. Carnes, frangos, risotos fumegantes enchem a mesa e os olhos, acompanhados de saladas coloridas, simples ou requintadas.
Duda e Rê correm para os animais. Não estão em jaulas. Encantam-se com os leões que vivem livres nas savanas e com os macacos que habitam os galhos mais altos e fazem das árvores seus caminhos de aventuras. Os jacarés, sorrateiros, pouco se mostram, mas as baleias e golfinhos exibem-se com orgulho. Gatos e cães dividem opiniões, mas os irmãos decidem, depois de muitos argumentos, qual cachorro caberia em suas vidas.
Enquanto isto, a mãe não sabe se vive um romance ou embarca em uma aventura policial. Não consegue decidir-se e abre-se para os dois. Sempre há tempo na vida para mais de um prazer.
Já é quase noite. Deixam para trás a praça que lhes deu um mundo em uma tarde. Cada um leva na sacola aventuras, histórias e desejos que lhes acompanharão até o próximo ano.
Mais doze meses e a sineta avisará que está aberta a temporada de reencontros e descobertas. Não é qualquer cidade que tem uma praça onde, uma vez por ano, cabem o universo, nossos sonhos e nossas esperanças.
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Duda não usa mais chuteiras, nem eu o chamo mais assim. Trocou a bola pelo bisturi, mas jamais trocou o amor da camiseta vermelha. Rê ainda calça sapatilhas pelo prazer de flutuar e cuida das relações humana e de trabalho com a mesma dedicação com que ensaiava por horas a cada novo espetáculo.
Eu estive em Paris, Veneza, Roma e em tantos outros lugares. Ainda acho que cozinhar para alguém é mais do que matar a fome. Até na massinha mais simples, só com queijo ralado, coloco o afeto como um tempero diferenciado. Minha neta que o diga. Em matéria de romance ou aventura policial, me mantive nas histórias lidas.
Desde criança a Feira do Livro faz parte da minha vida. Primeiro era levada pelos meus pais, depois ia com amigas. Apresentei a Feira aos meus filhos e já combinei com a minha neta um passeio por lá. Poucas vezes não fui; não tinha dinheiro nem para comprar as ofertas dos balaios. Tempos difíceis. Por anos trabalhei na barraca da Assembleia Legislativa tentando atrair jovens e crianças para que descobrissem a importância do Poder Legislativo para a democracia.
A partir de 2013 minha relação com a Feira do Livro mudou. Naquele ano, participei da minha primeira sessão de autógrafos em coletânea. Repeti em 2014. Dei um tempo, mergulhei em oficinas e cursos de escrita criativa.
Em 2018, meu momento mágico. Minha primeira sessão de autógrafos na Feira com um livro solo – Nós – e uma sessão de autógrafos da coletânea da Oficina de Escrita Criativa do Assis Brasil.
No dia dos autógrafos do livro Nós, um amigo disse que sentiu orgulho ao ouvir meu nome no alto falante como uma das autoras presente na Praça de Autógrafos. Eu não conseguia definir o que sentia. Hoje eu sei. Foi a consumação de um amor, a certeza de uma barreira vencida e, também, orgulho por ter encarado meus medos.
Continuo estudando, continuo escrevendo, continuo transpondo barreiras. E o melhor, me sentindo muito bem por continuar tentando.
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