Essencial


Maria Avelina Fuhro Gastal

O convite foi feito na sexta-feira. A promessa, carro com vidros abertos, máscara o tempo todo e muito álcool em gel. Não titubeei e disse sim.

No sábado, a foto com testagem para coronavírus negativa. Desnecessária. Não desistiria do meu sim.

A chuva constante do sábado à tarde obrigava a manter os vidros do carro fechados. Não me importei. Na realidade, nem pensei nisso. Ao entrar no carro, tinha deixado fora todos os medos, as ameaças, as inseguranças dos últimos seis meses.

Sem beijo, com sorriso atrás do pano que cobre nossas bocas, apenas demos as mãos. E seguimos assim por toda a tarde. Se as mãos se afastavam, buscávamos a proximidade nas lembranças, nos planos, nas histórias vividas e inventadas, nas saudades, no afeto que não encontra mais nas vozes e telas espaços para se mostrar.

Intensificamos o tempo, pulamos em poças d’água, dividimos segredos, revivemos filmes e momentos.

As mãos dadas já não bastavam, inevitável o abraço. Nele toda a ausência vivida nesse tempo insano sendo preenchida por uma paz e um desejo de nunca mais sair dali.

No retorno para casa, a vontade de estender a presença. Subimos. Minha casa já não estava vazia e silenciosa. Os olhos buscavam espaços da história construída por nós, reconheciam novidades, questionavam mudanças.

Entre nós, sobreviventes à pandemia, a maior perda está na distância de nossos afetos. Lamento por quem sente mais a falta do que pode ser, sim, muito bom, mas não é o essencial. Para esses, talvez, ele já não existisse antes. A falta faz da dor permanência e para evitá-la buscamos distrações, loucuras. Para quem conhece o essencial, a falta se faz vazios.

Se me fosse dada somente uma escolha, optaria pelas presenças, pelas conversas, pelas risadas, pelos abraços. Quero as pessoas de volta na minha vida, além das telas, das vozes, das trocas de mensagens. Quero mais dias como o de ontem. Não quero que meu filho precise dizer de novo que há mais de seis meses não vinham na minha casa. Quero que a minha filha esteja aqui. Quero minha família reunida, implicando e brincando uns com os outros. Quero que a vontade da minha neta em ficar para dormir possa ser atendida, não é só dela, é minha também.

Quero de volta o essencial. Ele tem rostos e nomes. Pelo resto posso esperar.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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