Maria Avelina Fuhro Gastal
Há nem tanto tempo assim, pai tinha que ser bom provedor e uma respeitável figura de autoridade. Era isso que esperavam dos meus avós.
Só conheci meu avô materno pelas lembranças das minhas tias e da minha mãe, ele faleceu quando ela era ainda criança. A imagem que construímos desse avô foi de afeto, parceria, dignidade. Com meu avô paterno convivi até os meus 8 anos. Sempre vestido formalmente, com um cigarro de palha entre os dedos, sentado na cadeira que era sua e que ninguém ousava ocupar. Também era ele quem transgredia e dava a mim e ao meu irmão uma dúzia de bananas para comer antes do almoço nos curtos passeios de carro para nos mostrar Pelotas.
Qualquer um deles era muito mais que provedor ou figura de autoridade e sempre tiveram dos filhos admiração e respeito repassados para nós. Imagino que eles podem ter reprimido muita vontade de rolar pelo chão com os filhos, embalar o sono ou dar risadas pelas travessuras. A expectativa dos papéis a desempenhar mata a espontaneidade.
Meu pai me levava à escola, mas nunca participou das reuniões com professores. Não era dele a responsabilidade de nos colocar na cama, nem de nos levar à praça. Mas foi com ele que me encantei com as palavras quando, todas as noites, antes de dormir, tínhamos um torneio de busca em dicionário. À medida que crescíamos, ele se aproximava de nós e dos nossos amigos. Uma cortada dele no ping-pong era mortal e a rolhada caprichada no dorminhoco só tinha menos esmero do que a nossa nele. Foi como avô que transbordou todo o afeto que trazia. Cúmplice integral do meu filho e parceria constante como pediatra das bonecas da minha filha que adoeciam como ninguém. Nele encontrei todo o apoio nos momentos mais difíceis da minha vida, sem omitir opinião, sem julgar, e me fazendo entender que não estaria sozinha naquilo que decidisse. Teria ele ao meu lado.
O pai dos meus filhos trocou fraldas, acordou nas madrugadas, esquematizou comigo horários para que sempre um de nós estivesse em casa enquanto eram bebês.
O mundo mudou, as relações de trabalho são outras, as mulheres ocuparam espaços, os papéis de gênero estão sendo questionados, mas, para mim, a transformação se tornou evidente a partir de um comercial do Gelol, não lembro em que década, que finalizava dizendo, “não basta ser pai, tem que participar.”
Participar implica em se mostrar, deixar a emoção fluir, se atrapalhar, errar, sofrer, corrigir, questionar tudo que faz, chorar, rir, cansar, mas nunca desistir.
Se os pais estão diferentes, as mães têm que mudar. Pai não é nosso representante ou auxiliar que deve seguir nossas ordens ou manias. Somos leoas. E chatas. Cobramos participação, odiamos que não seja como queremos. Os filhos não lembrarão daqui uns anos que o tênis não combinava com a camiseta, mas terão a lembrança do momento de cuidado e atenção introjetados.
E, admitamos, não somos pai e mãe. Podemos ser mães sobrecarregadas, sozinhas para dar conta de tudo, para decidir sobre a escola, a punição adequada, o limite necessário, para pagar a comida, a educação, os remédios, a diversão. O pai pode ser ausente, irresponsável, ignorado, omisso, desconhecido, morto e, ainda assim, é o pai com toda a carga de mágoas, ressentimentos, lembranças ou saudades.
Não apaguemos os pais de nossos filhos. Eles já carregam a dor da ausência. E com o reconhecimento dela encontrarão caminhos para se construir ou escolher para seus filhos melhores pais do que aquele que tiveram, incluindo a nós mães nessa possibilidade de superação.
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