Janela espiante


Maria Avelina Fuhro Gastal

Confesse, há horas em que a língua portuguesa nos enlouquece. Rimar confesse com enlouquece, já transgride a regra do bem escrever. Não bastasse todas as regras, vem o Word insistir que não é transgride, mas transgrede. Melhor mudar de tópico ou as rimas continuarão e isso estraga qualquer redação.

Na ortografia, derrapamos. Por que xícara e não chícara se é chuchu e não xuxu? Por que texto e não testo se é teste e não texte? Por que o x às vezes tem som de s e os dois ss têm som de c?

Falar deveria ser mais fácil, bastaria que mim não conjugasse verbo e que não viesse de encontro às minhas as ideias que concordam com o que eu penso. Ainda seria bom que o futuro não fosse seguido de gerúndio, estaremos progredindo na forma de nossa comunicação verbal. Não poderia ser verbau? Quem se atenta onde a língua encosta para produzir o som?

Muito antes de aprender, ou tentar aprender, qualquer regra, precisamos aprender a falar. Se aprendemos a partir do que ouvimos, crianças têm um desafio muito maior do que o tamanho deles.

Muitos de nós fica em dúvida se imergiu ou emergiu. Uma simples letra vogal e o significado muda.

Meu neto, de 4 anos, saiu da escolinha muito feliz, brincou com a pepeca que ele mesmo fez a tarde toda. Dessa vez a culpa não foi da vogal, mas de uma consoante que aos ouvidos dele soou como p e não t.

- “Vovó eu ouvo...eu ouzo?...eu escuto...
- “Miguel, eu ouço.”
- “Não vovó, eu que ouzi?...escutei, não foi você.”

Mal sabe ele que depois de dominar o ouço, terá que lidar com a regência verbal. Quem ouve, ou escuta, ouve ou escuta alguma coisa de alguém, sobre algo ou alguém. Talvez leve algum tempo, para alguns nem a vida toda será suficiente, para entender que ele não assistiu o filme, mas ao filme, embora no fim todo mundo entenda e continue assistindo os filmes e desassistindo o paciente português, a língua, não o lusitano dotado de paciência.

Na dúvida, basta googar ou, quem sabe, gugar. Se há tantas palavras novas que vem de estrangeirismos, por que não incorporar ao vocabulário as hipóteses infantis para descrever o que ainda não conseguem nominar?

- “Vovó, seu carro tem janelas espiantes.”
- “É? Por que tu achas que as janelas do meu carro são espiantes?”
- “Porque você não precisa acender as luzes dentro do carro para enxergar lá fora.”

Se meu carro tem janelas espiantes, minha sala tem esquentadura. Assim que o frio chegar, sei que o Miguel vai querer ver a lenha queimando e cuidar das chamas com o pai. A esquentadura espera pelo frio e por ele para que possamos continuar nossas conversas tão cheias de novidades e sem nenhuma regra para nos enlouquecer e minar a criatividade.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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