Maria Avelina Fuhro Gastal
Se ninguém dá flores à Mrs. Dalloway, também os homens nunca as recebem.
Não ganho flores com frequência, mas como Mrs. Dalloway, eu mesma as compro.
Gosto de ver a minha casa florida, inundada por cores diversas. Há nas flores uma determinada leveza, uma promessa de harmonia, um encanto de serenidade.
Não tenho jardim. Sei que as flores serão efêmeras, logo precisarei trocá-las por novos buques. Mas isso me faz lembrar que a vida se dá em ciclos, mesmo nos momentos mais sombrios, sempre há a possibilidade de renovação.
Talvez eu precise mais das flores nos tempos atuais, assim, ter para onde olhar e ver alguma beleza.
O mundo não está bonito, nem mesmo tolerável. Hoje, dia 20 de janeiro de 2025, ficou ainda mais lúgubre.
Desistir não é opção, mas para resistir precisamos do trivial, daquilo que não é medido por cifrões. Do brilho da lua, do azul de um céu sem nuvens, de nuvens desenhando figuras, de chuva mansa e reconfortante, do espetáculo da natureza, do vai e vem do mar, da companhia dos amigos, da proximidade dos filhos e netos, de sorrisos espontâneos, de abraços envolventes, de olhares cúmplices, de manifestação de afeto, de conversas sem fim pelo simples prazer de estar juntos.
Nossa única possibilidade de vitória é blindarmo-nos contra tanto ódio, tanta mentira.
Estamos sob ataque. Mantermo-nos íntegros é vital. As armas contra nós são poderosas e não têm limite de recursos disponíveis. Nunca foi tão óbvio o poder econômico agindo para nos derrubar. E muitos de nós seguem o canto da sereia, esquecendo que serão afogados.
Hoje, comprei mais flores. Astromélias com pétalas alaranjadas em substituição às de cor rosa escuro que já estavam desfolhando. Alaranjadas para me lembrar de não desanimar, de buscar a energia necessária para me manter com esperança.
Em um 20 de janeiro, há 32 anos, morria meu pai. O primeiro que perdi da minha família nuclear de origem. Hoje, sou a única sobrevivente. Meu pai presenteava a minha mãe com flores. Meu irmão, nas datas comemorativas, sempre me dava uma rosa. Uma única rosa cheia de significado. Sinto falta dessa rosa. Não lembro deles terem recebido flores além daquelas das coroas fúnebres.
Não há como ficar imune ao receber flores, ao olhar para elas. A sensação é sempre de plenitude e afeto.
Flores já silenciaram canhões, libertaram povos sob regimes totalitários. Talvez elas possam amainar tanto ódio vigente.
Comprem flores, mandem flores aos seus afetos, deem flores aos intolerantes, inundem os homens com flores. Talvez eles se assustem, temam pela sua masculinidade (tóxica), mas alguma reação haverá. Pode ser que um dia, amoleçam, sem pensar que isso faz deles menos viris.
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