Estamos todos bem


Maria Avelina Fuhro Gastal

Estamos todos bem é o título de um filme italiano de 1990, com Marcello Mastroianni, refilmado em 2009 nos Estados Unidos, com Robert de Niro. Conta a história de um homem, viúvo, que decide visitar os filhos espalhados por diversas cidades dos respectivos países depois de todos desmarcarem um encontro que aconteceria na casa do pai. Não estavam todos bem.

E nós, como estamos? Não diria que bem, mas tentando ficar o melhor possível. Às vezes, cansa.

Temos renda, casa, comida, saúde, agasalho, então sentimos que somos obrigados a estar bem. Afinal para muitos falta o básico, para outros nem as condições econômicas garantiram a imunidade ao COVID-19. Então, estamos bem.

Na verdade, não é bem assim.

Estamos: cansados, assustados, desesperançosos, carentes, indignados, saudosos, solitários, isolados, brabos, com raiva. Domamos tudo isso para continuar. Nem sempre conseguimos. Há dias que queremos gritar, chorar, abrir a porta, sair, viver.

Quando falavam em imunidade de rebanho, eu achava desrespeitoso. Hoje quero que as pessoas que funcionam como gado contribuam para tal imunidade. Atingimos a igualdade social na ignorância e na falta de respeito com quem se arrisca nas diversas tarefas para manter as cidades funcionando ou para atender as pilhas de contaminados por atos de irresponsabilidade. Seja nos bailes funk, nos bares do Leblon, nos parques da cidade a sociedade sem o mínimo de senso de coletividade em que vivemos se manifesta.

Não vamos sair melhores. Não sabemos ser melhores. Choramos mortes na Itália, na Espanha, debochamos das mortes daqui. Aplaudimos as equipes de saúde da Europa, agredimos as daqui.

Em um país que faltam escolas, todos viraram médicos. Receitam cloroquina, corticoides, ivermectina, quinino como quem indica uma receita de bolo de chocolate. Tome qualquer um deles e fique livre da doença, visite amigos, saia para a rua. Se morrer, faz parte. Afinal, todos vamos morrer um dia. Gado está acostumado à canga.

Apresse a sua morte, mas não a minha. Eu acredito na ciência e não há mandato eleitoral ou patente militar que me faça obedecer ao absurdo.

Vou continuar tentando estar bem. Tenho me empenhado muito. Não sei se sairei melhor disto tudo, mas, com certeza, só terei na minha volta gente. De gado, quero distância.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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