666


Maria Avelina Fuhro Gastal

Finalizei junho sob o signo do número 666.

Fiquei quietinha, aguardando sinais.

Minha cabeça não girou 360°. Conseguir virá-la para a direita ou esquerda sem travar nem sentir dor na cervical ou no trapézio foi o máximo de surpresa que tive, às vezes. Qualquer movimento além era impraticável.

Se a cama levitou ou tremeu, senti como embalo e continuei aconchegada embaixo de pilha de cobertas. Esse frio não estava relacionado ao 666, pois ia além do meu quarto, estendia-se ao banheiro, à sala e cozinha, corredor do edifício e tornava-se onipresente na rua.

Pensando bem, fui batizada com menos de um mês de vida. Me livrei do pecado original quando nem sabia ser responsável por ele. Mesmo se fosse batizada só agora, ainda questionaria minha responsabilidade pelos atos de outros. Além do mais, desobedecer é primordial para não virarmos cordeiros, nem de deus nem de ninguém, e acabar em um matadouro.

Mesmo batizada, cometi outros pecados. Não me tornei santa, ainda bem. Vida chata e com muitas privações e sofrimentos. Tô fora.

Não vai ser a companhia do número 666 neste ciclo que vai fazer de mim um demônio o tempo todo. Demonizo algumas pessoas por pouco tempo e em situações específicas, vantagem de não ser santa.

Tudo se resume a uma boa assessoria para venda de imagem. O diabo leva a fama, mas as piores atrocidades foram, e ainda são, ditas e feitas em nome de deus. É como se o diabo fosse acusado de ser comunista por não comungar com as ideias macabras da extrema direita.

Rótulo fixado dá um trabalho enorme para nos livrar do mal.

Valores pessoais não têm relação com crenças, religião, dogmas, fanatismo. São construídos tendo como base o respeito ao outro e a si próprio. Nem sob a influência do número 666 me imagino segregando pessoas por gênero, cor da pele ou classe social. Epa! Isso é feito por aqueles que colocam deus acima de tudo. Também não me vejo inventando mentiras, humilhando quem discorda de mim, me apropriando de bens que não são meus. De novo! Isso também vem sendo feito por aqueles que se dizem messias e salvadores.

Nem tanto aos céus, nem tanto ao fogo. Vou continuar vivendo com minhas vicissitudes, dúvidas, contradições, livrando qualquer deus ou demônio da responsabilidade sobre minhas falhas ou fraquezas, mas também sem dar a eles o crédito pelos meus avanços e superações.

Se sob o signo do 666 eu ofender alguém, errar, cometer algum crime, não terá sido qualquer desígnio diabólico. Se continuar tentando melhorar como pessoa, apesar dos tropeços, não terá sido a mão de deus que me guiou.

Vamos parar de projetar nossos erros e acertos em criaturas inventadas para nos liberar de nossas responsabilidades?

Confesso que, em alguns momentos, gostaria de ter um tridente, com as pontas bem aquecidas, e espetar na bunda de muitos que apoiam discursos de ódio ao mesmo tempo em que frequentam igrejas, templos, rezam e finalizam qualquer conversa com a frase “Fica com Deus”. Essa fraqueza é minha, a paciência nunca foi meu ponto forte. Amém.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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