Maria Avelina Fuhro Gastal
Esta semana iniciou com a notícia do falecimento de Ennio Morriconi. Ao longo do dia 6, data da morte, as reportagens traziam trechos das trilhas sonoras compostas por ele. As músicas preenchiam as cenas, indo além da narrativa, provocando sentimentos e sensações como se elas próprias contassem a história.
Grande parte da minha vida foi vivida em torno do cinema. Muitas das minhas memórias afetivas estão ligadas a salas de projeção, a rolos de filme, posters, long plays de trilhas sonoras, ao cheiro de mofo de alguns cinemas. O vídeo cassete, o DVD, a Net, o Netflix ou qualquer outra opção nunca venceram minha vontade de ir ao cinema.
Há magia em uma sala às escuras, tomada por sons e imagens, sem nenhuma distração, onde o foco de todos está na tela. Existe uma energia tomada de emoções. Dispenso pipocas ou balas. Não é um piquenique. É algo sagrado. Só quero em mim os sentimentos provocados pela história que está sendo contada.
Temo não encontrar mais cinemas ao final da pandemia. Ainda poderei assistir aos filmes nas mídias disponíveis, mas não poderei senti-los. Para isso, tenho que estar no cinema.
No filme Cinema Paradiso há uma cena em que Alfredo mostra a Totó a imagem na tela a partir da sala de projeção. A música de Morricone inunda a cena em um misto de encantamento, magia, descoberta e emoção. Ali me sinto Totó e vejo meu pai em Alfredo.
Estamos vivendo tempos de ausências, buscamos nas lembranças conforto para as saudades. Elas estão esgotando suas forças e misturam-se a sentimentos de incertezas e vasto vazio.
Percebi que sofro de algo que chamei de Efeito Totó. Sem spoiler, no final do filme, já adulto, Totó recebe uma surpresa deixada por Alfredo, um rolo de filme que contém todas as cenas de beijos cortadas das películas para exibição. Tenho pensado em todos os beijos que não dei, em todos os abraços que travei, em todas as palavras que contive. Meu rolo de filme está repleto de “quases”. O esgotamento das lembranças do vivido sendo sufocadas pela noção do perdido.
Vivemos um ano perdido. Um ano onde a vida e a experiência deram lugar à expectativa e ao medo. Viver sem trocas é um pouco de morte e elas não se dão por telas. Exigem toque, proximidade. Restam as palavras. Que elas me extrapolem na escrita, nas mensagens, na fala, nos áudios.
Merecemos Efeito Totó pelo vivido. Encontraremos entre as músicas de Morriconi aquela será a trilha para as nossas lembranças.
Se vai passar, que passe logo.
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