Maria Avelina Fuhro Gastal
“Defendemos a vida.” Essa foi a justificada dada pelo deputado federal, Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) um dos autores do PL 1904/2024, que acrescenta parágrafos ao Código Penal, tornando delito de homicídio simples a prática de aborto após 22 semanas de gestação nos casos previstos em Lei que autorizam o procedimento.
No Brasil, o aborto é permitido nos casos de anencefalia do feto, risco de vida da gestante, gravidez resultante de estupro.
Pela lógica dos autores do projeto de lei, mulheres não têm direito à vida, são incubadoras da morte, têm que escolher entre morrer ou ir para a cadeia, são depositárias de esperma de um gozo de violência.
Vinte e duas semanas não podem limitar um direito. Ignoram a os mecanismos de defesa que fazem com que a situação seja negada, até ser impossível não encarar a realidade. Ignoram as dificuldades e burocracia para fazer valer um direito. Ignoram que a maioria dos estupros acontecem dentro da família, transformando meninas em irmãs, primas, sobrinhas, tias de seus próprios filhos. Ignoram a dor de gestar o filho do agressor, lembrança constante da violência. Ignoram o conflito entre amar o filho, como se espera de toda a mãe, e odiar aquela criança que é o reviver da agressão.
Levamos décadas para poder admitir a nós mesmas que fomos abusadas, mesmo quando não estupradas, e mais um longo período para poder falar com alguém sobre a experiência. E é feito com muita dor. Dor que esteve encarcerada por muito tempo e que permanecerá como sombra, mesmo quando liberta.
Eles e elas, sim há mulheres entre os autores do projeto de lei, não enxergam a mulher como vítima e buscam uma forma de puni-la. Tudo em nome de Deus. Do mesmo deus que eles e elas querem impor sobre a sociedade. Um deus machista, branco, homofóbico, misógino que substitua o Estado Democrático de Direito por uma teocracia em que todos os diferentes serão perseguidos, punidos, aniquilados.
A armadilha foi armada. Conquistam votos entre seus seguidores e, depois, capitalizam a discussão para acusar os divergentes de serem favoráveis ao aborto, portanto devem ser banidos da vida pública. Não importa que não esteja sendo discutido o aborto em si como direito da mulher em qualquer situação, eles farão parecer que sim. Defendem um deus que se alimenta de mentiras e as propaga para uma sociedade de fiéis cegos e surdos.
A armadilha vai além. Trazem como urgência um tema de comoção, enquanto outra urgência por eles definida, o fim da delação premiada, fica acobertada por estarmos indignados em ver mulheres tendo a possibilidade de serem punidas com pena mais severa do que a infringida ao estuprador.
Não temos um Congresso conservador. Temos um Congresso criminoso, que se mostra eleito:
para garantir benefícios pessoais, para acobertar crimes de toda a ordem,
para transformar estuprador em pai e vítima em criminosa,
para proteger o crime organizado, as milícias, a grilagem, a exploração irregular de minérios e de madeira,
para minimizar tentativas de golpe de Estado,
para anistiar crime de posse indevido de joias,
para desconsiderar a gravidade de crime de lesa pátria,
para a destinação de verbas públicas em benefício eleitorais ignorando a necessidade da população,
para manter privilégios que ampliam a desigualdade e injustiça social.
Temos um Congresso que vem estuprando todos nós, f...errando (autocensura para a polidez do texto) com o presente e futuro do país para colher proveitos pessoais. O desrespeito é ao povo. A mira, agora, é nas mulheres como parte da cartilha de extremistas religiosos, que usam da fé para subjugar a sociedade. E nem pense em relaxar olhando para o mar à beira da praia se não poder pagar para pisar na areia. Estamos muito perto de deixar de ter sol, céu, mar como direito universal. Pagaremos enquanto eles enriquecem e se protegem. Os condenados somos nós. Eles estão livres, ungidos pelo voto de um povo que eu me nego a aceitar que tenha como maioria criminosos.
Se calarmos, o futuro não vai repetir o passado, vai fazer muito pior.
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