Inundados


Maria Avelina Fuhro Gastal

As águas baixaram. Continuamos inundados.

As ruas secaram. Permanecemos alagados.

A chuva parou. Ainda estamos encharcados.

Nem o sol nem o calor nos protegem ou confortam.

Olhamos em volta e não vemos tragédia, enxergamos destruição.

Nosso solo está vulnerável, nossas encostas ameaçadas, nossos rios, lagos e lagoas saturados, nossas cidades aniquiladas.

A força das águas levou vidas, lares, alimentos, empregos, segurança, sonhos e esperança.

Não bastasse a fúria das águas, enfrentamos as fake News que nos afundam em um charco e mantêm nossa cabeça enterrada em lama.

Oportunistas escrotos desviam donativos, remando na dor de tantos.

Estamos mergulhados em medo, tememos a nuvem escura, o vento revolto.

Já não olhamos o céu para ver estrelas ou para ler nuvens com as crianças.

Buscamos nele qualquer sinal de ameaça, afundamos nas imagens de resgates, de desamparo, nos olhares de perplexidade e de impotência, e nos debatemos na tentativa desesperada de buscar fôlego para prosseguir.

Mesmo quando há casa para voltarmos, ela já não é a mesma. Foi maculada. As paredes nos mostram o quanto foram afogadas, os pisos perderam o brilho e se escondem sob uma mistura de lodo e esgoto, o cheiro de limpeza foi substituído por um odor fétido que fica impregnado em nossas lembranças.

Não reconhecemos mais o Estado, a cidade, o bairro, a rua, o nosso lar. Estamos expatriados, sem chão, sem teto, sem sossego. Inundados.

Haverá em nós um lugar para acomodar toda essa experiência para que possamos viver novos momentos, contar outras histórias, projetar sonhos. Um lugar de tristeza, sempre pronto a romper nossa força e desaguar em lágrimas.



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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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