Maria Avelina Fuhro Gastal
Sem título. Crônica interativa. Você, leitor, pode sugerir um título. Se algum me agradar, uso no texto. Fica tranquilo que faço a indicação da autoria.
Já nem sei quantas vezes depois do texto pronto fico emperrada procurando, sem achar, um título bom. Opto por algum e quase sempre acho ruim. Pior quando publico e recebo uma sugestão que dá de goleada naquele que eu coloquei. Sabem o texto Triângulo das Bermudas, publicado em 20/05? Pois é, recebi do cronista Rubem Penz uma crítica positiva à crônica, mas (atentem ao mas) com a indicação de que Retângulo das Bermudas teria sido um título mais instigante. Bingo. Concordo, sem dúvidas. E agora? Posso trocar? Ou seria apropriação de ideia alheia?
Hoje resolvi inovar. Desisto de pensar e deixo o cabeçalho em aberto.
Não tive problemas para escolher o nome dos meus filhos. O do mais velho decidi quando era ainda menina, filha, sem nem saber se seria mãe. O da mais moça, usei de artimanha para fazer valer o nome que eu queria. Até hoje não entendo como consegui convencer meu ex-marido de que ela era morena. O trato era este: se morena teria o nome que eu queria, se clarinha o nome de escolha dele. O parto difícil, com um Apgar mais baixo no primeiro minuto, fez com que ela fosse quase roxinha. De roxa para morena foi só uma questão de convencimento. Venci. Os nomes dos dois foram escolhas minhas. E eu teria opções para mais uns quinze a vinte filhos que não tive.
Ultimamente, além de não achar títulos adequados para os textos, têm me faltado palavras para expressar opiniões, sentimentos ou reações. Nada do tipo demência, nem lapso de memória. Apenas uma incapacidade de encontrar palavras que abarquem a realidade.
O uso das palavras traz um mistério. Quanto mais aplicada em diversas situações, mais ela perde seu peso e acaba esvaziada do sentido original, normalizando absurdos, enfraquecendo expressões de sentimentos, banalizando reações.
Se nas relações já é difícil colocar em palavras a complexidade do sentir, na escrita de um texto encontrar a certa para produzir o efeito esperado tem se tornado impossível.
Falar em saudades, solidão, desesperança, cansaço, medo em tempos de pandemia não traduz a intensidade do que sentimos. As palavras não dão conta do que vivemos.
Dizer que é impensável ou absurdo no meio de uma pandemia não termos um Ministério da Saúde à frente das ações para enfrentamento da crise é vazio. Impensável ou absurdo não têm força suficiente para expressar a situação. Ainda, que palavra usar para descrever um governo que desde a posse não teve Ministro da Educação em um país onde o acesso à educação é privilégio de poucos? A pasta estar sem titular há dezoito dias não garante a existência de um ministro em todos os meses anteriores. Não tivemos.
Acusar uma fala de racista não faz de ninguém um antirracista. Pior se o argumento buscar em um racismo reverso a explicação. Essa traz a força do racismo cravada no discurso e faz das palavras escudos para não enfrentar a questão estrutural contida em nossa história de brancos privilegiados.
Palavras têm desmascarado a elite. Viver na rua, com frio e fome, é opção para não cumprir com obrigações e deveres; cantar debochando dos mortos pela COVID-19 tem público para aplaudir, colocar a formação em uma engenharia qualquer acima da categoria cidadão é símbolo de superioridade. Eu não encontro nenhuma palavra para definir o que sinto nem o que a elite é.
Precisamos de neologismos para traduzir o momento social, político e humano que vivemos. Todos os vocábulos e expressões do nosso idioma são inadequados, vazios para dar conta do real.
Mas na palavra cidadão precisamos investir, acreditar. Reconhecer nela a força intrínseca. Resgatar a valorização do que é público como forma de igualdade social acima das vantagens pessoais. Não podemos permitir que ser chamado de cidadão seja ofensivo ou jamais seremos uma nação.
Não é só um título para a crônica que me falta. Falta-me a esperança em uma sociedade de respeito mútuo e o orgulho de ser brasileira.
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