Maria Avelina Fuhro Gastal
Continua chovendo sem parar. Se você não aguenta mais dar adeus às gotas que aparecem no alto da esquadria, não vê mais poesia na queda e só pensa em adiantar a morte delas esmagando-as sem dó, talvez seja a hora de sair da janela e entrar na chuva.
Estar na chuva tem suas vantagens. Se o tédio possibilitou que sua imaginação se voltasse a você mesmo e isto lhe provocou vontade de chorar, na chuva não há necessidade de cobrir o rosto para esconder as lágrimas, nem sua vontade precisa ficar restrita à duração média do choro de três minutos. Saia sem proteção alguma sobre a cabeça para que chuva e pranto se misturem naturalmente.
Mas se o caso não é de choro, somente de tédio, procure um casaco adequado, vista-o e, se não for criança, dispense o capuz. Há protetores mais dignos para sua cabeça.
Se você já superou a ditadura social das questões de gênero, tanto faz escolher um guarda-chuva ou uma sombrinha. Não se deixe enganar pela nomenclatura. Com o guarda-chuva você não voltará para casa com um estoque de chuva para uso em tempos de seca. Apesar do nome, ele não contém reservatório para tal fim. Quanto à sombrinha, salvo em raras exceções onde o sol e a chuva passeiam juntos, ela cumpre a mesma finalidade do guarda-chuva. Já há movimentos em busca da equidade na designação, sem a conotação sexista. Avanços já foram conquistados na aparência. Tanto um, como o outro, podem ser grandes ou pequenos, manuais ou automáticos, com cabo finalizado em uma interrogação ou em um cilindro curto, com cerca seis centímetros, quase sempre em alumínio, com uma empunhadura adequada à mão humana. Ainda não desenvolveram modelos adequados às patas dos pets. Diferem basicamente nas características sexistas, mantendo-se os guarda-chuvas em cores austeras e cabo fálico mais grosso, enquanto as sombrinhas variam entre as cores neutras, em qualquer tom, até as mais floridas, coloridas, quadriculadas, berrantes ou escandalosas. O cabo apresenta-se mais frágil, adequado à imagem feminina que ainda persiste na sociedade.
Escolhido o objeto para proteção, siga as instruções a seguir antes de entrar na chuva. Deteremos nossas informações quanto ao correto procedimento para obtenção do melhor resultado. As regras aplicam-se a ambos. Se o objeto escolhido for do tipo manual, facilmente reconhecível por não haver nenhum botão para acionamento, posicione o seu dedão sobre a lingueta existente no cabo, logo abaixo do cilindro já referido ou da parte final do ponto de interrogação, considerando para tanto a parte não curva. Com a mão do outro dedão segure com firmeza o cabo. Pressione o dedão na lingueta e empurre o braço todo em direção a ele, enquanto a mão do outro dedão mantém-se próxima ao seu corpo, podendo ser apoiada no abdômen, que quanto mais avantajado mais suporte oferece. Atingido o ponto máximo de extensão do braço que empurra o dedão, certifique-se de sentir uma pressão ou ouvir um clic de travamento, cuidando para que a parte inferior do dedão não tenha sido apreendida junto ao objeto, o que pode causar desconforto momentâneo e até sangramentos. Tendo tudo ocorrido dentro da normalidade, recolha o braço do dedão e sinta-se livre para que ele dirija, agora toda a mão, para o bolso ou descanse ao lado do seu corpo. A mão do outro dedão que estava próxima ao seu corpo, provavelmente repousada em sua barriga, deve agora ser empurrada pelo braço para que se estenda ao mesmo tempo que faz um giro de trinta graus, colocando sobre a sua cabeça o pano estendido do objeto escolhido. O braço deve ser mantido na posição de L ao contrário, como se a base da letra estivesse voltada para seu ombro, em uma altura confortável para que o objeto não lhe machuque a testa ou a cabeça. No caso dos automáticos, apenas um dedão, uma mão e um braço são necessários para o procedimento. Posicione o dedão no botão que está posicionado no cabo, pressione e ele abrirá, trancando-se automaticamente. Mas atenção, ao contrário dos manuais, mantenha, com o auxílio do braço, o dedão bem distante do seu corpo, de preferência usando para tanto toda a extensão do braço. Aberto o objeto, proceda para colocá-lo em uso da mesma forma detalhada com relação ao equipamento de acionamento manual. Nas duas situações é aconselhável que o procedimento seja realizado na porta que dá para a rua, mantendo seu corpo sob a soleira e o dedão sob a chuva. Ele, demais dedos e braço podem resultar molhados antes da finalização do processo, que costuma ser rápido.
Na volta para casa, se ainda estiver chovendo, refaça os movimentos no sentido inverso. Nesta situação, é necessário o uso dedão, da mão do outro dedão e dos braços, tanto do dedão, quanto da mão do outro dedão para finalizar o procedimento dos objetos tanto de acionamento manual quanto automático. Em ambas as situações, o braço do dedão deve ser mantido afastado do corpo e a cabeça novamente embaixo da soleira, enquanto o objeto, dedão, mão do dedão e braço do dedão voltam a estar na chuva em um ângulo perpendicular ao corpo. Finalizado o processo, diminua um pouco o ângulo e chacoalhe o objeto. Talvez você seja o responsável pelo homicídio de algumas gotas de chuva, mas o procedimento é indispensável para trazer o mínimo de água possível para dentro de casa. Uma vez dentro de casa, procure um local seco, repita a operação para abertura do objeto, repouse ele no chão e o mantenha aberto para que possa estar seco ao ser molhado novamente.
Atenção: se você não mora em casa ou apartamento térreo, antes de sair, leia as instruções de Cortázar para subir uma escada, invertendo o processo para a descida e lembrando-se que, com tanta chuva, ela pode estar escorregadia. Na volta, ao subir, siga as instruções tal qual são apresentadas.
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