Maria Avelina Fuhro Gastal
Há pessoas que trazem em si a elegância e a discrição no existir. Com suavidade expressam suas posições, defendem suas ideias, criticam sem ferir. São poucas. São raras.
Gilda foi esse sopro na minha vida. Serenidade na experiência, afeto no acolhimento, intensidade no relacionar-se.
Nosso encontro se deu na minha primeira tentativa de fazer da junção de palavras um texto que fosse além do banal e previsível. Senti como se alguém me desse a mão e me convidasse a correr riscos sem medo.
Acolhida, fui acreditando que poderia percorrer o caminho que eu duvidava que pudesse ser o meu.
Dez anos depois, ela me enviou uma mensagem dizendo ter sonhado comigo e que o sonho era muito bom. Agradeci por ela ter dividido comigo e falei das saudades que estava dela.
Insistimos em pensar no amanhã como eterno, quando na realidade ele nem existe.
Dois meses após a mensagem, Gilda adormeceu. Discreta, partiu sem alarde. Eu não soube a não ser exatos 9 meses depois quando enviei uma mensagem pelo aniversário dela. Ela jamais leu a mensagem nem lerá este texto.
Por que calamos tanto os nossos afetos?
Em 2013, Gilda comentou, em aula, o texto a seguir. Suas palavras foram: delicado e intenso. Talvez ela não soubesse que estava descrevendo como eu a vi. E jamais soube.
Um sorriso que chora
Há muito se perderam nas palavras. Do encontro entre o dito e o escutado restam cicatrizes e feridas abertas.
Aos poucos, as vozes deram vez ao silêncio. Na tentativa de não ferir, nem ser ferido, calaram seus temores e, junto com eles, o amor perdeu sua vez.
No vazio produzido pelo não-dito, a intimidade foi sufocada. Hoje tateiam-se como dois estranhos.
Ela manuseia as roupas como se fosse um ritual. Coloca em cada dobra o seu ressentimento e amargura. Na perfeição da peça, a tentativa de reorganizar-se. Não tem urgência, mas está determinada. Quer deixar ali toda a dor e levar só a coragem para recomeçar.
Não está sendo impulsiva. Apenas sente-se vencida pelo cansaço e pela desesperança. Quer manter entre eles um pouco do afeto que os uniu.
O dia se desfez nas dobraduras e a noite já espia por entre as frestas.
Pensou em deixar um bilhete. Não achou digno. Apesar de tudo, eles merecem mais. Quer um último ato respeitoso e definitivo.
A fraca luz do abajur ilumina o ambiente com a suavidade que o momento requer. Ela se deixa abandonar na poltrona, atenta aos sons que vêm da rua.
O estalar do elevador e o tilintar das chaves a impulsionam. De um salto, levanta-se, alisando a saia, a blusa e os cabelos. Qualquer desalinho seu será imperdoável. Não pode enfraquecer, nem se perder agora.
Ao mesmo tempo em que ele abre a porta e entra, ela pega a mala e se dirige para a saída. Seus olhos se cruzam. Os dele se voltam para a mão dela e retornam, em tom de dúvida (ou será de desespero?) para o seu rosto.
Com um sorriso que chora, ela toca suavemente o rosto dele e sai. Ele se vira a tempo de buscar a mão dela. Segura-a com um afeto há muito adormecido. Ela solta a mala, envolve aquela mão que tantas vezes a fez estremecer ao toque, roça os lábios levemente no seu dorso e a solta. Pega a mala, entra no elevador e parte.
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