Maria Avelina Fuhro Gastal
Hoje, escrevo sobre nada. Um nada feito de tudo que pensei, mas não transformei em texto. Não ainda, ou nunca.
Não tenho prazo a cumprir na escrita, nem compromisso com qualquer editor. Se nada é o que surge, por que escrevo?
Escrevo para silenciar meu diálogo interno, para acabar com o monólogo comigo mesma, para dar vazão a pensamentos, ideias, sentimentos.
Na escrita transformo as palavras no outro de uma conversa. E elas se impõem. Nem sempre traduzem a complexidade da vida. Não há uma que dê conta do desamparo dos desabrigados, das mentiras das autoridades, do alagamento que carrega lares, pertences, memórias, vidas. Na impossibilidade de encontrar uma palavra com tamanha dor, me calo. O sofrimento e a tristeza de tantos transformam meu texto em nada. Nada pode dar conta de expressar o que vivem.
Palavras também se escondem para expressar o bom. Perdem a força que a experiência vivida representa, se perdem em adjetivos que, de tão batidos, se tornam vazios. Qual delas traria a perplexidade com a renovação e promessa de vida que a primavera carrega? Qual delas definiria a minha expectativa pela próxima “carta” que receberei? Costume seria banal, vaidade seria injusta. Que palavra traz em si o verdadeiro sentimento de se perceber destinatária das palavras de outro?
Faltem, não representem nossas emoções, percam-se em significados vazios, são as palavras que nos aproximam, ou afastam.
O meu nada é cheio de sensações e sentimentos. Se ele não cabe em palavras, me esvazio da possibilidade de preenchê-lo com as palavras de alguém.
Mesmo que eu reflita, procure a palavra que mais se aproxima do quero expressar, uma vez escrita e lançada, nada me garante que vocês a receberão com a mesma percepção de adequação que ela me trouxe. Entre nós, as palavras ondulam, escorrem, vestem-se de significados próprios nascidos da nossa vivência. Não há certeza de entendimento em nada do que é dito. Não há, também, em nada do que é calado.
Talvez sejamos uma vasta imensidão de tudo, que de tão extensa nos abarca e confunde. O nada seria nossa incapacidade de nominar a intensidade da vida. Esvaziamos nossas emoções e calamos. Fazemos do nada um respiro. Nele sufocamos.
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