Maria Avelina Fuhro Gastal
Se a mim fosse dada a chance de escolha, viveria em um sebo, não numa biblioteca.
Trocaria a ordem e a formalidade pela aventura da descoberta.
Além das histórias narradas, mergulharia nas marcas impostas às páginas em busca de vestígios das vidas daqueles que folhearam os livros.
Manchas de café, de batom, de chocolate, de gordura, de erva-mate, de chá, de molho incorporam a rotina à ficção.
Anotações, grifos, desenhos, exclamações denunciam dores por amores incompletos, perdidos, jamais vividos, apenas sonhados, desejados. Invejados. Relembrados.
Dedicatórias formais dão o tom comercial da venda; as pessoais revelam a natureza do encontro entre o autor e o leitor. Amizade, gratidão, amor esgueiram-se por palavras que contam breve narrativa onde a voz presente é a de quem a escreve, anterior àquela em que o narrador é o escudo de preservação do autor.
Entre as páginas, restos de fitas coloridas, de flores ressecadas, de ramos que um dia foram verdes, agora tingidos pelo tempo de cor cinza. Só a lembrança do que um dia foi vida.
Incontáveis mãos percorreram as páginas. Teriam encontrado nelas o consolo, o alívio, a companhia, a esperança, as respostas às dúvidas e a tormentos? Depositaram nelas a emoção fugida em uma lágrima? Transformaram saudades em despedida? Abandonaram a culpa e perseguiram possibilidades? Da primeira à última linha, teriam se transformado? Talvez muitas mãos jamais tenham aberto para descobrir o que havia além da capa.
Muitos, largados em um canto qualquer, vieram somar-se a uma pilha desordenada, de equilíbrio duvidoso. Narrativas soterradas, palavras sufocadas. Livros silenciados.
Eu ouviria o pedido de socorro em cada ferida contida nas páginas. Travaria luta contra as traças que se alimentam, não de papel, mas de vidas presentes neles.
Em um sebo eu jamais estaria só. Todas as possibilidades de histórias conversariam comigo.
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