Maria Avelina Fuhro Gastal
Ao todo tenho, ou tive, 34 primos ao longo da vida.
Com tantos, a diferença de idades sempre foi muito diversa. Para alguns eu era a pirralha, enquanto, para mim, os pirralhos eram tantos outros.
Na infância primo entra na nossa vida como irmãos, a decisão é dos pais. Goste ou não, melhor arranjar alguma brincadeira ou outra coisa qualquer para fazerem juntos já que terão que se aturar enquanto seus pais conversam com seus tios. Primo é o irmão que vai para casa, nos dá folga na hora de dormir.
Na adolescência primos são ignorados, assim como os irmãos mais moços. Nenhuma relação que tenha a concordância dos pais merece respeito. Um que outro permanece e a gente se pergunta por que, jurando que não temos nada em comum.
No início da vida adulta estamos tão atolados por objetivos a serem atingidos, crianças mamando de 3 em 3 horas, contas a pagar superiores ao que temos para receber, casa para limpar, comida para fazer, roupa para lavar, filhos para carregar daqui para lá e de lá para cá, que primos, e até amigos, são aparições raras, alguns em forma de cometa outros como temporal.
Na maturidade nos damos conta daqueles que permaneceram em nós, independente da diferença de idade.
Hoje, nenhum de nós é pirralho, ninguém tem menos de 50 anos, alguns já com mais de 80. As relações se dão por afinidade e afeto genuíno. É nesse momento que alguns primos alcançam o ponto de intersecção, nos conhecemos desde pequenos e somos da mesma família assim como irmãos, mas passamos a conviver por opção, da mesma forma que escolhemos os amigos.
Quando criança havia um primo que eu via como alguém que sabia do mundo muito mais do que eu. Foi a primeira pessoa que me mostrou os Beatles, primeiro pelas botas e calça skinner, e, depois, pelas músicas. Entre meus 5, 6 anos me apresentou Love me do, She loves you, com 10 anos embarquei pela mão dele no Yellow Submarine, entrei na puberdade ao som de Let it be e rompi com ele.
Eu rompi sem que ele soubesse, apenas deixei de cumprimentá-lo na rua, o achava bobo e antipático, queria distância dele. Contei para ele alguns anos depois, quando já havia superado o ódio, e ele riu. Percebia minha raiva, deu tempo para que ela passasse. E passou. Escolhemos ser intersecção. Essa semana ela se desfez.
Com o tempo, vários espaços de nossas vidas se transformam em buracos que sugam parte do que fomos e nos deixam esvaziados. Agarrados à borda, insistimos em nos manter inteiros, mesmo reconhecendo que estamos indo aos poucos.
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