Palavras


Maria Avelina Fuhro Gastal

Ando encantada com as palavras. Faço do dicionário meu companheiro mais fiel, como se fossem os primeiros momentos de uma história de amor. Somos inseparáveis. Por vezes nos divertimos juntos, em outras nos emocionamos, e, em alguns momentos não nos entendemos, as palavras não fazem sentido e o que é dito não é compreendido.

Existem palavras que trazem em si o próprio aconchego. Ninho, casulo, casa, lar me envolvem como um cobertor macio que abriga meu corpo nas noites frias de inverno, quando até os ossos ressentem-se e clamam por misericórdia.

Algumas insistem em se mostrar duronas como rochas à beira do mar, que impávidas se deixam tocar pelas ondas como se por elas não pudessem ser atingidas. Ósculo é assim. Esconde-se na austeridade para não demonstrar sua doçura.

As coquetes são as que mais me divertem. Têm um quê de malícia que escapa pelos lábios de quem as pronuncia: coquetel, brioche, abajur insinuam-se como as flores da primavera, que se mostram para serem admiradas, mas não tocadas. Naturalizaram-se, mas insistem em manter seu ar esnobe.

Têm as furiosas, poderosas, rosnam como fera enjaulada, que apesar do barulho não podem nos ferir: trovoada, capitão, bigorna, paralelepípedo. Mostram-se fortes para manter o controle.

Outras embalam nossas vidas com lembranças e cheiros, mas só as crianças percebem sua força: carrossel, gangorra, hortelã, novelo, amarelinha, brigadeiro, pudim. São doces, suaves e escorrem pelos lábios com leveza e um ar de peraltice.

As permanentes me assustam, têm a força do compromisso e o desespero da renúncia: aceito, nunca, sempre. De tão intensas muitas vezes não permitem que outras, que podem lhes aliviar o peso, como cumplicidade, altruísmo, empatia, ocupem um lugar de destaque. Se soubessem como podem viver com mais suavidade, relaxariam.

Sem esquecer dos palavrões, alguns são bem pequenos, mas com um poder de fogo arrasador. Melhor deixá-los quietos para evitar estragos maiores.

Diferente das coquetes, têm aquelas que são divertidas por serem escrachadas, não se importam com que os outros pensam. Juntam suas letras e sílabas com um ar de displicência, mas se impõem com valentia: bagunça, barulheira, engradado, geringonça.

As palavras não me cansam. Elas me alimentam, divertem e distraem.

Que impacto teria entre seus amigos se, ao final da uma conversa séria sobre as mudanças na sociedade, eu apenas dissesse: uma geringonça vai, e outra vem, porém, o território para sempre permanece. Ri. Meu mundo precisa de mais graça.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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