Maria Avelina Fuhro Gastal
Escrever é, também, praticar, exercitar a arte de juntar palavras, arriscar novas construções. Tem que haver constância para aprimorar o texto.
Apesar de saber, e acreditar nessas premissas, parei. Fiquei um tempo sem colocar nada no papel, nem mesmo quando as ideias pulavam na minha cabeça, mas não encontravam o caminho para a escrita. Nenhum bloqueio nem preguiça, apenas férias.
Férias picadas, aqui ou por aí, sozinha em casa ou acompanhada. Aposentada e em férias. Concedidas por mim, a mim mesma, pelo tempo que quis.
Fomos domesticados pelo trabalho e passamos a acreditar que férias são consequência de trabalho extenso, exaustivo, portanto, um prêmio por bom comportamento. Acreditem, não são.
Férias é um estado de espírito, uma opção pelo prazer, uma inversão da rotina, uma opção pela vontade acima da obrigação.
Cada momento que vivi nesse período sabático renderia diversos textos. Talvez ao longo do ano alguns ganhem vida, outros serão esquecidos ou atropelados pelo cotidiano e darão lugar a temas ainda não pensados.
Do período com minha filha em uma pousada em Torres poderia falar sobre a relação de, agora, duas mulheres adultas, de diferentes gerações, da reconstrução de conceitos sob a ótica de quem, até há algum tempo, via em mim referência para construção da identidade e, hoje, se faz modelo para que eu possa compreender um novo modo de ser mulher.
Da experiência com amigas em uma cabana em meio à natureza no Parque das Cascatas produziria textos que falariam da relação das mulheres com a passagem do tempo, com o choque produzido pela nossa imagem refletida em espelhos ou estampadas em selfies, com o não-reconhecimento de nós mesmas, dos nossos corpos, dos cabelos grisalhos, das rugas e marcas que nos surpreendem e não fazem parte da nossa autoimagem. Tudo discutido em longas caminhadas, na exploração de trilhas, à beira da piscina, ao entardecer no deck, em meio ao canto dos pássaros e às picadas de mosquitos.
Das duas semanas com filho, nora e netos na minha casa enquanto havia obra no apartamento deles, contaria como a bagunça e a desordem da minha casa perderam a importância pelo prazer de conviver com eles, estar presente na vida das crianças, inventar brincadeiras e histórias, criar memórias da casa da vó, da diferença entre ser mãe e ser avó.
Talvez em um futuro muito próximo minha opção por férias faça com que qualquer Inteligência Artificial produza textos que eu poderia ter pensado em escrever. Azar. Agora que descobri que há vida além do trabalho não deixarei de usufruir do prazer que viver de escolhas oferece.
Resta uma certeza. Enquanto aqueles que me lerem não forem máquinas, nenhuma Inteligência Artificial me derrubará. Falta para ela a alma para um texto. Alma é produto de vivência, conflito, escolhas, prazeres, dores, experiência. É humana. Só nós possuímos a capacidade de criá-la. Só nós podemos transmitir e perceber a essência.
Já nos fizeram máquinas de trabalho. Não sejamos máquinas de criação e de consumo.
Proponho que nosso pacto seja o de escrever e ler com a alma. Nisso somos imbatíveis.
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