Maria Avelina Fuhro Gastal
Texto escrito em 02/02/2019
Sei que muitos de vocês ao lerem o que escrevo procuram, e às vezes acham que encontram, partes de mim nas histórias narradas. Os mais próximos, ou os mais atrevidos, chegam a dizer que essa ou aquela história tem a ver com meu pai, com meu irmão, com minha mãe, com o meu ex-marido, pai dos meus filhos. Aposto que muitos já pensaram que eu pudesse estar deprimida ou saudosista, se perguntaram se eu fui traída ou traí, mesmo parecendo tão certinha. Ou ainda, será que ela tem problemas com os filhos? Não sabia que eles eram ausentes. Para quem será que ela escreveu O tanto que te odeio? E por aí vai. Tudo bem. É natural que quem escreve seja confundido com suas personagens e as histórias delas. Claro que nossas experiências contribuem ora como inspiração ora como escapadela do inconsciente. Mas as personagens e suas histórias não são eu.
Para evitar um esforço desnecessário de vocês, já aviso que este texto tem sim tudo a ver comigo. Não é ficção, não é um conto, talvez nem mesmo uma crônica. É um desabafo.
Sexta e sábado tive uma recaída. Não percam tempo supondo alguma droga lícita ou ilícita. Tive uma recaída emocional. Venho nos últimos anos trabalhando para valer em busca de leveza, de uma maior espontaneidade, valorizando o querer no lugar do dever. Tenho progredido, então espero ter tido apenas um lapso e não uma recaída. Mas foi forte.
Tudo começou com uma curiosidade cidadã. Como estariam as votações para as presidências do Senado e da Câmara dos Deputados? Liguei a televisão, como muito de vocês devem ter feito. À medida que assistia à sessão do Senado, uma sensação de angústia e desesperança foi se instalando. A mesma sensação que experimentei por quase trinta anos trabalhando na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. E para evitar novos devaneios, como servidora concursada.
Assistindo à sessão, revivi todas as manobras que acompanhei sempre em nome do interesse público, quando, na verdade, os discursos mudavam em função de interesses próprios. Vi muitos trabalhos excelentes e copiados por outros estados serem sepultados ou desfigurados por vaidade política. Vivi a descontinuidade administrativa, o sucateamento das estruturas permanentes e o endeusamento dos deputados, por eles próprios, por seus assessores e por concursados sedentos pelo poder.
Mas o pior nisso tudo é, muitos de vocês poderão pensar ser uma ilusão de adolescente, que eu acredito no Poder Legislativo. Acredito na sua essência, na sua capacidade de garantir a democracia e lutar pelos cidadãos. Como? Talvez nos aproximando mais dele, exigindo mais, fiscalizando mais, questionando tudo aquilo que, mesmo se transparente, pareça inapropriado ou exagerado. Quem sabe ouvindo quem está lá? Quantas ideias vi serem engavetadas, desencorajadas ou manipuladas.
Alguns de vocês me diriam que os caciques foram derrotados no Senado, com os votos de oitenta e dois dos oitenta e um senadores. Não, não há erro na minha conta. O disparate está nas urnas que receberam os votos das senhoras e senhores eleitos com um discurso pela moral, pela ética e pelo combate à corrupção. Surpreendente? Gostaria que fosse. Impugnada? Aí a surpresa maior, não. Nem mesmo com a transmissão ao vivo e a cores de todo o circo. Terão sido os caciques derrotados? Ou nós fomos? Como terapeuta de família e casais aprendi que podemos mudar para não mudar. De uma maneira mais tosca, o que mudou foram as moscas.
Pois é. Daí minha recaída. Talvez vocês pensem que este texto é superficial, não traz nada de novo, mas todo desabafo é assim. Colocamos para fora o que nos está corroendo na esperança de encontrar junto ao outro algum consolo. E eu ainda espero viver em um país mais justo e igualitário. Ou, pelo menos, voltar a acreditar que um dia isto será possível.
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