Folhas de plátano


Maria Avelina Fuhro Gastal

Tento dominar as horas pela rotina. Mas os dias sempre iguais, não me permitem o domínio das datas. Qualquer dia é dia nenhum ou é todos em um só, sem nome. Não há segundas, terças, quartas, quintas, sextas ou sábados. Nem mesmo domingos. Há uma suspensão do tempo em um tempo que parece não ter fim.

Com atraso de quase um mês, percebi que é outono. Talvez porque em casa não tenho como sentir o arrepio do ar mais geladinho em meus braços nem o calor de um sol acolhedor em meu rosto. Não piso em folhas. Não ouço o suspiro delas sob os meus pés.

Outono para mim é sensação, aconchego, carícia. A visão é pouco para vivê-lo, pois pode nos enganar. As árvores e flores além da minha janela continuam verdes, coloridas, alheias ao calendário. Quero acreditar que estão esperando por nós para dar início ao espetáculo.

Da minha janela, não vejo plátanos. Terei que atravessar um outono sem ver as folhas que deles se desprendem? Minha primeira lembrança com elas vem de ainda menina. Na frente do edifício de uma prima havia uma enorme árvore. Eu não sabia o nome. Mas não era ela que me fascinava. Eram as folhas no chão em sua volta. Tons de verde esmaecido, traços de verde espalhados em um laranja rosado, cinzas tristonhos, outros intensos, todas cobrindo a calçada, transformando cimento em tapete de cores.

A menina que fui cavou um buraquinho na infância e ali colocou uma caixa. Nela guardou, não o colorido das flores, mas as transformações do colorido das folhas de plátanos. Juntou os sussurros trazidos pelas folhas ao serem tocadas pelos seus pés e mãos. Eles contavam histórias. Encontrou espaço para preservar a experiência do toque. Se as folhas já não eram macias, traziam nas nervuras e rugas a lembrança de uma primavera exuberante, seguida de um verão de descobertas e desafios. Não cobriu o buraco com terra. Deixou aberto para que pudesse olhar para ele quando o inverno a afastasse das ruas, dos cheiros, das brincadeiras, dos amigos.

A cada outono, e já não são poucos, reencontro a menina e, juntas, procuramos as folhas de plátanos. Trago uma tatuada no punho. A cada ano, me pareço mais com elas. Manchas novas aparecem no meu corpo, nervuras espalham-se pelo meu rosto, mudam a cor dos meus cabelos e a textura da minha pele já não tão firme. Mas como elas, trago em mim possibilidades que libertam sussurros e constroem histórias.

Sei que não sentirei nenhuma folha de plátano neste outono. Nem mesmo verei. Elas estão onde não posso ir. Mais uma saudade a me ocupar. Como todas as outras, a lembrança do vivido e a certeza dos sentimentos me farão estar com a essência das folhas. Assim, encontro forças para esperar pelo próximo outono e por todos os reencontros desejados.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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