Menos um, ou um dia a mais


Maria Avelina Fuhro Gastal

Cada dia que permanecemos isolados socialmente, é menos um dia que teremos que conviver com o pesadelo da Covid-19.

Cada dia que alguém escolhe sair às ruas sem precisar, tomar sol nos parques, coçar o nariz e apertar a mão de um idoso, ou de outra pessoa qualquer, promover aglomerações, está nos condenando a um dia a mais.

O egoísmo e a onipotência concedem o direito de viver seu dia a menos. Danem-se eu, você, todos nós.

No dia a mais a que somos jogados por inescrupulosos, irresponsáveis e desumanos, muitos perderão o emprego, muitos não terão como alimentar os filhos, muitos exporão suas vidas a um risco maior, pois não lhes cabe a opção de permanecer em casa. São profissionais da área da saúde, da manutenção hospitalar, dos serviços de apoio e remoção de pacientes, de mortos. Profissionais da segurança pública, da limpeza urbana, dos transportes públicos e de cargas, da produção de alimentos, e tantos outros, recebem um dia a mais de risco, de impotência, de desamparo.

Este dia a mais, que não quero, me afasta, por mais tempo, de todos que são importantes para mim. Já nem penso no tudo, nas caminhadas, no ir e vir, no fazer minhas próprias compras. Só quero de volta todos e cada um. Quero que o medo de os perder me dê trégua. Que a saudades se restrinja à ficção. Que pesadelos estejam só no sono e, que ao abrir os olhos a cada manhã, não dê de cara com eles na realidade.

Não quero mais um dia sem a minha neta, sem ver o quanto ela está crescendo, sem dançar pela sala, sem brincar de maquiadora, sem dividir a “nossa” cama com ela, depois de preparar uma massinha com bastante queijo ralado e de desobedecer aos pais na quantidade de sobremesa.

Hoje é Páscoa. Dia de perdoar. Não consigo. Não quero. Eles sabem o que fazem. Se tem que haver mais mortes, que sejam as de quem nos empurra para um dia a mais e as de quem apoia esse genocídio. Mesmo que não morram, isolem-se de mim. Não os quero perto. Na essência, são mais mortais do que o vírus.

Estou impregnada de raiva. E isso me assusta. Nunca quis ser tomada por esse sentimento e jurei, a mim mesma, que a raiva jamais me cegaria nas minhas escolhas.

Ontem foi difícil. Hoje, um pouco menos.
Vai passar.

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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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