Considerações nada finais


Maria Avelina Fuhro Gastal

Acabou. Período eleitoral encerrado, novo Presidente eleito. Fim da angústia por temer mais quatro anos da extrema direita no poder.

Não acabou. Foram 49,10% dos votos para o atual presidente.

Nem vou mais falar sobre as perversidades, desmandos e ameaças à democracia do atual governo. Parece que isso tudo não comoveu muitos brasileiros.

Também não vou comentar as manifestações antidemocráticas dos derrotados. Mesmo que restrito, não darei palco nem luz a comportamentos fascistas. Ignoro, silencio, deixo de seguir nas redes sociais.

Nesses 49,10% há insatisfeitos, rancorosos, aliciados, ameaçados. O que realmente importa é saber quantos desses são extrema direita e têm a supremacia branca, os privilégios de classe, a dominação dos vulneráveis como princípio que rege a sua escolha.

Nossa democracia esteve por um fio. Faltou a retirada da última carta para o castelo ruir. Eles não vão desistir. Sabemos que as jogadas são espúrias e o discurso populista.

Nossas fraquezas foram escancaradas.

1. A democracia não é um valor em si. Para alguns por conveniência, para tantos outros por não encontrar nela resposta às desigualdades sociais.

2. Vivemos em um país racista e preconceituoso. Sem a discussão corajosa desses temas, estaremos sempre deixando à margem do processo democrático de construção da cidadania grande parte da população.

3. Toleramos crimes de ódio, apologia à tortura, ameaças ao regime democrático sem a devida reação e punição de tais atos.

4. Depois de 87 anos da Intentona Comunista, ainda ronda um temor que não encontra respaldo em nenhum aspecto de nossa história recente. Falhamos em desmistificar um delírio coletivo que teme o comunismo e não se assusta com o fascismo.

5. Nenhum político é mito ou salvador. A construção de uma sociedade se dá pela participação efetiva dos cidadãos.

6. Tememos a luta de classes quando a organização se dá entre trabalhadores, mas aceitamos a união de profissionais liberais, grandes grupos econômicos na defesa de benefícios próprios.

7. Há uma nova composição de fé no Brasil. Desconhecê-la ou ignorá-la fragiliza qualquer discurso político.

8. Democracia se faz com negociação e alianças.

9. Para garantir o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, precisamos de um espectro abrangente do campo democrático que incorpore a direita, o centro e a esquerda.

10. Nenhuma extrema, direita ou esquerda, faz parte do campo democrático.

11. Tudo em nossa vida é política. Não gostar ou não se envolver com política abre espaço para manipulação e convencimento de que o algoz é um mito, sem perceber que todo mito é uma narrativa fantástica que constrói uma crença compartilhada como verdade por seguidores.

E a vida continua. Precisamos relaxar, sem perder a noção de que precisamos estar sempre atentos e não permitir que, de novo, corroam nossa sociedade.

Quero voltar a falar do banal, do cotidiano. Nem percebi se os sabiás cantaram, não vi as árvores ganhando folhas e cores.

Há uma semana acordei para o belo, para o frugal, para o inexorável. Sem colocar viseira, poder enxergar além do caos e da ameaça nos dá forças para continuar e buscar alternativas.

Se os derrotados gritam, descumprem a Constituição, banalizam a democracia, que não encontrem em nós eco para propagar suas asneiras. Que falem sozinhos, entre eles, até que se volte a ter um governo que respeite a sociedade e a ordem constitucional.

Como levar a sério alguém que pede intervenção militar cantando Para não dizer que não falei das flores?

Já nos ocupamos demais com eles. Vamos nos ocupar da vida e do futuro e guardar nossa energia para lutas pertinentes.

Eu vou tentar. Sem descuidar. Se precisar, grito, esperneio de novo. Mas, por agora, vou olhar para além deles. Merecemos uma visão melhor de mundo do que a suportamos nos últimos quatro anos.

2023 está logo ali.


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Maria Avelina Fuhro Gastal

E-mail: avelinagastal@hotmail.com

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