Maria Avelina Fuhro Gastal
Pensar é um ato. Sentir é um fato.
Clarice Lispector
Sou palavras. Elas confundem. Quando contidas, só se enxerga de mim aquilo que decido mostrar. Omito vontades, disfarço emoções, calo sentimentos. Se libertas, me desnudo. Torno-me essência. Revelo paixões, insinuo desejos, abandono defesas. Força e vulnerabilidade ocupam a mesma gangorra. Falta-me o equilíbrio. Ouça-me e saberá o que penso. Leia-me e descobrirá o que sinto. Persigo a síntese dessa ambiguidade.
Com essa minicrônica me apresento no livro “Marias e Clarice”.
O ano era 2020, ano em que não vivemos, sobrevivemos. Quinze mulheres, sob a regência do cronista Rubem Penz, reuniram-se, on line, semanalmente, para construir um livro em homenagem à Clarice Lispector.
Não bastasse o desafio de mergulhar na obra de Clarice, enfrentávamos o isolamento social, o medo, a incerteza, o horror no aumento de números de casos e mortes pela Covid-19, a solidão, a suspensão de tudo aquilo que conhecíamos por vida.
Se a arte salva, escrever entre um grupo de mulheres sensíveis e acolhedoras transformou a experiência em boia que nos manteve à tona, sem nunca ficar à deriva, pois o resgate era imediato. Sucumbir naquele momento era fácil. O esforço conjunto manteve-nos na superfície, inspirando e expirando no compasso das palavras que permeavam os textos lidos e discutidos por nós a cada encontro.
Podem me achar suspeita, o livro é lindo. Vimos o fora desde dentro, parafraseando Lélia Almeida ao citar Carmen Martín Gaite na orelha do livro. Havia um fora amedrontador, transformamos em palavras e textos o que em nós clamava pela vida.
O lançamento aconteceu em 10 de dezembro de 2020, on line, dia do centenário de nascimento de Clarice Lispector. De alguma maneira, a essência dela esteve conosco ao longo daquele ano, talvez ocupando o lugar de tantas ausências.
Agora, estaremos reunidas autografando o livro, nem todas, mas várias de nós. É um livro que merece ser abraçado. Tenho orgulho por estar nele, acompanhada de tantas mulheres que souberam se dar as mãos e enfrentar o medo construindo arte.
Ainda sou saudades. Não sei quando me sentirei vivendo um “novo normal”. Tenho feridas não cicatrizadas, talvez as marcas sejam permanentes, mas estar nessa sessão de autógrafos é a vitória do reencontro sobre o medo. Se puder, vá ao Apolinário Bar (Rua da República, 552), dia 29 de setembro, a partir das 19 horas. Tenho certeza de que Clarice iria e não se arrependeria.
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