Maria Avelina Fuhro Gastal
Querida leitora,
lamento não saber seu nome. Maria, Ana, Tereza, Fátima como tantas, ou um outro nome não comum, não importa. O nome nos identifica, nos faz únicas entre tantas. Na falta do seu nome, tomei a liberdade de chamá-la de “Querida”. Não é formalismo nem expressão sem sentido, foi a forma que encontrei de nos tornamos próximas.
Soube que estás lendo “Nós”. E mais, que sua dificuldade de visão faz com que afaste e aproxime o livro para poder enxergar o texto; seus óculos ainda demorarão algum tempo para chegar. Aquilo que deveria ser direito, transforma-se em longa espera.
Óculos, acesso a livros, à Educação, à saúde, à moradia digna, a emprego, a salário justo, à alimentação adequada parece, para muitos, estar sempre na linha do horizonte.
Soma-se a tantas dificuldades a nossa condição de mulheres. Nascemos em meio a sangue e sangramos a vida toda. Sangramos todos os meses quando a vida não se implanta em nós. Sangramos para trazer ao mundo a vida que se fez em nós. Sangramos quando uma mulher é desrespeitada, estuprada, agredida, ameaçada, ignorada, desvalorizada, insultada. Nosso sangue não parece comover nem mesmo aqueles que veneram ao sangue de Cristo.
Ver-se sozinha para criar os filhos, ouvir o lamento de fome, perceber a cor do frio em suas peles, não encontrar apoio em uma sociedade que se divide entre os que muito têm e os a quem tudo falta, faz sangrar. As chagas não vêm dos cravos na pele, mas da indiferença e da injustiça social.
Tentam fazer de nós, lixos. Somos colocadas em escala de desvalorização: mulher, pobre, negra, velha. Nenhuma escapa, embora o fardo de várias seja infinitamente mais pesado. Não desistimos, às vezes, cansamos.
Somos tantas. Quantas histórias vividas, sonhadas, interrompidas, inventadas. O que parece ser distância entre nós, encontra um fio de conexão. Nossa conexão está além das páginas do “Nós”. Está na experiência de sermos mulheres e permanecermos vivas. De sermos mulheres e lutarmos para sermos ouvidas. De sermos mulheres e termos nossos corpos respeitados. De sermos livres.
Somos nós, amarras, mas também somos laços.
Com carinho,
Avelina.
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